Entrevista Marco Cinelli
O blues é um produto de diferentes cruzamentos, uma manifestação cultural criada em território norte-americano na virada do século XIX para o XX. Mas engana-se aquele que limita o estilo aos EUA, afinal o blues é uma linguagem universal, prova maior e inconteste é a lista de músicos fluentes neste idioma.
Marco Cinelli, guitarrista e vocalista, lidera a fantástica The Cinelli Brothers ao lado do irmão Alessandro. Os irmãos italianos - por favor, sem piada com Marios Bros! - naturais de Latina, próxima a Roma, atualmente residem em Londres, cidade global que respira música e conta com instrumentistas de todo o mundo. "Eu sei que o Reino Unido está recebendo bem o que eu faço com meu irmão mais do que em qualquer outro lugar que eu já morei antes. Amamos fazer isso com os Cinelli Brothers e as pessoas nos amam", conta o italiano que foi iniciado no rock através da coleção de discos do pai.
A banda já lançou um bom disco, Baby Please Set Your Alarm, e recentemente o single Married woman, disponível nas plataformas digitais, trabalhos que comprovam a qualidade da banda. O talentoso guitarrista, no entanto, revela que a maior ambição profissional "(...) é cantar o blues nos Estados Unidos, com todo o respeito (sendo eu estrangeiro e estranho à cultura do blues na América). O Blues é minha maior paixão e estou muito feliz por poder cantar algumas para pessoas que compartilham a mesma paixão".
Ugo Medeiros – Você e seu irmão Alessandro são italianos. Eu também tenho ascedência italiano, meu nonno emigrou de Belmonte (Calabria) para o Brasil logo após a Segunda Guerra. Vocês são de qual parte da Itália? Qual tipo de música era mais comum por lá? Digo, era mais a música italiana ou também tinha influências internacionais?
Marco Cinelli - Somos nascidos e criados em Latina, uma cidade de tamanho médio a apenas cinquenta quilômetros ao sul de Roma. Nós dois saímos do país quando tínhamos 23 anos. Fui primeiro e meu irmão Alessandro me seguiu quatro anos depois. O tipo de música que ouvíamos quando éramos jovens não era nada à nossa volta! Nossa casa era um oásis de música americana e britânica, já que nosso pai era um verdadeiro ouvinte apaixonado e colecionador de vinil. Reconhecemos que isso teve um grande impacto no Brothers.
UM - O que veio primeiro na tua vida, rock ou blues?
MC - Acho que cronologicamente foi o rock, me lembro dançando Another one bites the dust (Queen) aos quatro anos, mas o primeiro amor consciente da adolescente foi o blues. E adivinha... por causa do filme The Blues Brothers.
UM – Quando e como foi o teu primeiro contato com a guitarra? Quais guitarristas mais te influenciaram?
MC - Nunca pensei que pegaria um violão até que minha tia Sandra me deu um de presente pela minha primeira comunhão (eu tinha onze anos). Deu um "estalo" porque senti que difinitivamente poderia tocar um instrumento, mas ainda não tinha pensado nisso. Meu pai costumava tocar violão durante cerimônias ou noites entre amigos e quando criança eu me sentia atraído por isso, mas nunca pensei que poderia ser um guitarrista até que comecei a ser um. UM – Como nasceu o Cinelli Brothers?
MC - A banda começou quando vim para Londres para visitar meu irmão, que havia se mudado para lá há pouco tempo. Eu estava morando na França naquela época. Alessandro arranjou um show para eu pagar as passagens. Era eu na guitarra e na voz, ele na bateria e um cara chamado Enzo Strano no baixo. Ele sugeriu que o setlist deveria ser um tanto blues porque Enzo era um ótimo músicos de blues, e entre o público havia muitos amantes de blues. Então, lá fomos nós, os irmãos Cinelli ao vivo no Limelight Theatre em Londres, por volta de 2016.
UM – Sou um pesquisador da história do blues. Quais as diferenças entre o Chicago e o Texas blues?
MC - Se você é um pesquisador, provavelmente deveria me dizer! Eu conheço um pouco da história do Blues e sei algumas diferenças entre os estilos, mas não tenho certeza, sei apenas as principais razões pela qual alguns blues são rotulados de “Chicago”, ou “Texas” ou “West coast”. Chicago Blues soa para mim como delta blues com instrumentos elétricos no lugar do acústico. Tudo orbita em torno da voz, que é o núcleo. Gaita, guitarra, baixo, piano e, finalmente, a bateria giram como planetas de uma “estrela da voz”. A narração, o lamento do blues é o foco principal. Ao contrário, eu sempre defino "Texas blues" como algo que é construído em um shuffle groovy hipnótico e é bastante sólido ao longo da batida. Para mim, o principal músico deste estilo é Jimmy Reed, embora eu não tenha certeza se ele era mesmo texano. E todo o seu legado depois dele até os irmãos Vaughan.
UM – Você poderia falar sobre o álbum Baby Please Set Your Alarm?
MC - Depois do nosso primeiro show, começamos a tocar com mais regularidade em Londres, conforme minhas visitas se tornavam mais frequentes, até que me mudei definitivamente para cá no final de 2017. A banda se expandiu com a adição do gaitista Rollo Markee e do pianista Alberto Manuzzi. Costumávamos tocar no Ain't nothing but the blues bar na Kingly Street. Devemos ter soado bem decentes, já que mais e mais pessoas pediam CDs ou vinis da banda. Uma noite, os caras e eu tivemos uma visão impressionante: nós gravando um álbum com músicas originais. Foi isso, reservamos um estúdio por três dias e gravamos dezesseis músicas entre covers e originais. Mantivemos doze, e você sabe o resto.
UM – Eu li que, além do blues, Stax e Motown foram muito importantes na tua vida. Como cada um te influenciou na tua formação musical?
MC - Se você adora música tradicional americana, o som da Stax e da Motown são inevitáveis. Além de fanático por blues, também sou fanático por soul music e tudo isso teve um impacto enorme na minha formação. UM – Você e Alessando já excursionaram pelos EUA. Como foi esta experiência? O blues continua relevante sob o ponto de vista popular?
MC - É sempre divertido fazer um tour nos EUA e ver o que está acontecendo por lá. Eu sinto que o blues é algo que as novas gerações não procuram, mas que é sempre bem-vindo. Todo mundo adora blues, não só nos EUA. Em Chicago há muito e está se tornando uma espécie de atração turística. No geral, sinto que a América ainda é a sede principal desse gênero e, possivelmente, onde ele ainda é tocado e sentido com um sentimento mais "original", diferente de qualquer outro lugar do mundo.
UM – Nos EUA, vocês devem ter feito shows e jams com bons nome do blues. Poderia falar os mais marcantes?
MC - Apenas jams por enquanto, mas adoraríamos sair em turnê com a banda inteira em breve. Eu me lembro de tocar nas Kinston Mines e no Buddy Guy Legends em Chicago, e isso foi incrível. Uma das minhas jams favoritas foi em San Francisco, no Saloon, no centro, em Fisherman Wharf. Havia um cara que tinha a mesma guitarra que eu, uma raridade da Fender que ninguém tem, a ‘Flame’.
UM – Vocês gravaram Backdoor man de Willie Dixon. Poderia falar sobre o legado de Willie Dixon no blues e essa versão que gravaram?
MC - Willie Dixon é o "produtor pop” número um do blues. Ele é o responsável pela popularidade do blues no mundo e possivelmente escreveu os maiores sucessos/hits. No entanto, adoro willie Dixon como músico de blues e como cantor. Você já ouviu o Big Three Trio? Backdoor man é uma das minhas músicas favoritas de todos os tempos. Por causa da letra, por causa do riff de baixo e das explosões vocais. Tocamos essa música permanecendo fiéis à vibração original, mas adicionando mais groove funky a ela. Um cruzamento entre Wille Dixon e James Brown. Você acha que é possível?
UM – Vocês acabaram de gravar Married woman, um ótimo single que traz bastante swing. Poderia falar sobre?
MC - Married Woman é a música que mais me orgulha. Eu quero abraçar soul, blues e jazz de New Orleans e essa música é para mim a combinação perfeita dos três. É simples, a mesma progressão de acordes o tempo todo, exceto para a ponte. É cativante e repetitivo. É atrevido, mas não descarado. Acho que é o nosso maior sucesso, mas estou curioso para saber o que as pessoas pensam UM – Atualmente você vive em Londres. Londres é um lugar melhor para tocar profissionalmente o blues quando comparada com a Itália?
MC - Eu não sei sobre isso, só posso falar sobre minha própria experiência. Eu sei que o Reino Unido está recebendo bem o que eu faço com meu irmão mais do que em qualquer outro lugar que eu já morei antes. Amamos fazer isso com os Cinelli Brothers e as pessoas nos amam. Devo dizer também que é uma grande satisfação viver em um país cuja língua materna é aquela em que canto. Se você canta em inglês na Itália, na França ou na Holanda, as pessoas entendem apenas parcialmente a mensagem que você deseja espalhar. É uma coisa cultural. Meu sonho é cantar o Blues nos Estados Unidos, com todo o respeito (sendo eu estrangeiro e estranho à cultura do blues na América). O Blues é minha maior paixão e estou muito feliz por poder cantar algumas para pessoas que compartilham a mesma paixão.
UM – Quais os nomes mais proeminentes da nova geração do blues europeu?
MC - Existem dezenas de grandes bandas ou cantores de blues jovens, e alguns deles estão realmente indo muito bem. Em todos os países que vamos, encontramos alguns músicos locais incríveis e queremos fazer amizade com eles imediatamente. Posso citar alguns deles que falam ao meu coração: Connor Selby (Reino Unido), Big Dez (França), Budda Power Blues (Portugal), Danny Franchi (Itália), Rootbag (Holanda), Malted Milk (França), Trickbag (Suécia), The Cigar Brothers (Dusty e Daryl, Holanda), Marcus Bonfanti (Reino Unido), Kyla Brox (Reino Unido), Simone Nobile Blues Band (Itália) e este quarteto horrível que não sei se você já ouviu falar, The Cinelli Brothers :)
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