Entrevista Sonja
O Coluna Blues Rock - e seu editor que flutua entre a mediocridade e a insignificância - nasceu pela triste incapacidade de tocar algum instrumento. A música sempre foi fonte de emoções indescritíveis, mas houve também dias que o mau humor pesou e a impaciência resultou em algumas críticas descabidas. O mundo dá voltas e novas chances surgem para consertar certas injustiças.
A blues singer Sonja, figura conhecida na cena blues-rock carioca, é um bom exemplo dessa redenção às inversas. Ela sempre carregou bastante talento e potencial, mas demorou para este site irrelevante reconhecer seus dotes musicais.
Com bastante simpatia e humildade, Sonja bateu um papo agradável com o Coluna Blues Rock sobre a carreira e sobre a sua influência máxima, a eterna Etta James. "Acho que não tem como ser uma mulher da nova geração do blues e não falar, não ter como referência alguém tão grande como ela. Etta é inspiração como mulher, menina, como artista, cantora, amante, como a revolução que ela representa, poder, atitude...", confessou.
Sonja representa a novíssima geração do blues brasileiro e traz ares frescos e renovados ao estilo. Seu disco, homônimo, traz canções autorais de qualidade e parcerias de peso, como Otávio Rocha, Flávio Guimarães e Jefferson Gonçalves. Escute o trabalho desta jovem vocalista, deixe o blues fluir e inspire-se!
Ugo Medeiros – Te conheci há alguns anos através do seu ex-namorado Enio Vieira, guitarrista de mão cheia. Sinceramente, fiquei com um pé atrás, ainda te achava muito verde. Mas o tempo passou e você cresceu demais musicalmente! Inclusive, esse ano, participou da jam da última Coluna Blues Party. Parabéns, hoje te vejo como uma cantora potente e bem equilibrada. Posso estar enganado, mas credito parte desse amadurecimento ao convívio com o pessoal da Caravana Cigana do Blues. Concorda?
Sonja - Essa evolução foi fruto de muito esforço, trabalho e dedicação ao que escolhi fazer, que é cantar, o que não é fácil. Agradeço o elogio!
Enio Vieira é realmente um guitarrista incrível, ele acreditou em mim desde o início e continuou acreditando, me abrindo portas e colocando em cima do palco e me encorajando a "botar minha cara à tapa", sempre! Até hoje.
Além do convívio com ele, o meu convívio com a Caravana Cigana com certeza foi fundamental, porque pude olhar para tudo com outros olhos, me arriscar de outras maneiras e expandir meus horizontes para lados que eu não conhecia. É aquela coisa, sempre para frente!
Faz parte de todo o verde a coisa do amadurecimento, nesse processo encontramos força para seguir e crescer, aprendendo a separar as criticas que constroem das que intencionam prejudicar, aquelas sem o menor embasamento, só na maldade. Graças a Deus, encontrei pessoas maravilhosas no meu caminho que sempre estiveram ao meu lado, sempre trocando, crescendo e andando juntos. Para frente SEMPRE!
UM – Voltando ainda mais no tempo, você se lembra como foi o seu primeiro contato com a música? Foi através do blues? E quando você decidiu ter a música como profissão?
SJ - Lembro que sempre gostei de música desde que me entendo por gente. Meu irmão era baterista, minha tia cantora, minhas primas também cantavam. Mas foi aos seis anos que comecei, entrei para uma aula de canto com a professora Patrícia Evans, com quem estou até hoje. Subi ao palco pela primeira vez nas apresentações dos alunos da escola de música, e foi aí que eu entendi que era aquilo que eu queria para minha vida. Na verdade, nunca pensei em fazer outra coisa que não cantar.
Meu primeiro contato profissional com o canto foi em teatro musical. Em uma das peças, eu cantei And I am telling you, do musical DreamGirls, que originalmente é interpretada por Jeniffer Holiday - uma mulher, preta, gorda. Ela canta para que seu homem não a deixe, que a ame, ela não vai à lugar nenhum sem ele. Quando eu vi essa mulher cantando, ela era tão baixinha mas ao mesmo tempo GIGANTESCA, que ao final da música me vi totalmente hipnotizada, com os olhos cheios de lágrimas e o punho cerrado de tanta emoção que aquela mulher me passou: tanta coragem, tanto sentimento. E foi aí que eu entendi que era aquela emoção que eu gostaria de passar quando subisse ao palco, através dessa música que eu conheci o blues. Lembro de ter chegado para minha professora e dizer “eu quero cantar ISSO. É isso. Achei! Eu quero isso!”. E ela disse “pesquise sobre o blues, eu acho que é sobre isso que você está falando. Procure Etta James”. E ela estava certa. Então na verdade, meu primeiro contato com a música foi muito antes de conhecer o blues.
UM – Certa vez te escutei dizendo que a Etta James foi a sua grande influência. Poderia falar sobre a artista em si, o legado e as influências que exerceu em você?
SJ - Sim, sempre digo e repito. Foi uma das primeiras mulheres que eu ouvi cantando blues, lembro que ouví-la me tirou o fôlego. Acho que não tem como ser uma mulher da nova geração do blues e não falar, não ter como referência alguém tão grande como ela. Etta é inspiração como mulher, menina, como artista, cantora, amante, como a revolução que ela representa, poder, atitude...
Para mim, há algo a mais. Eu sempre busco sentir a pessoa que estou ouvindo e não apenas escutar. Costumo ir atrás da vida, tentar saber como ela era, como pensava, como agia nas situações e vejo Etta James como uma mulher dura por fora mas totalmente mole por dentro, doce, que queria ser amada. A vejo com uma força tamanha que transbordava ao chegar ao palco, me admirava muito seu charme, sensualidade e sua total noção do quão FODA era e de quanto poder tinha. Até seu temperamento difícil e os momentos em que se mostrava vulnerável me encantam, tudo nela me encanta. Foi uma mulher que sofreu muito pelas pessoas que amava, mas que também foi muito e verdadeiramente amada. Foi alguém que VIVEU o blues e não apenas cantou. Para mim é isso, e apenas isso!, que importa quando se sobe em um palco: se despir, desarmada e sangrar suas dores e alegrias, a vida como ela é, crua.
UM – Você participou do X Factor, da Band. Você avançou bastante, mas depois acabou saindo. Poderia fazer um balanço daquela experiência?
SJ - Participei do X Factor em 2016. Passei por duas ou três etapas até chegar na fase televisionada. Levei dois "sim" e um "não" e continuei no programa, mas não passei na segunda fase. Sinceramente, acredito que saí no momento certo. Foi uma experiência ótima em vários pontos. Cresci muito, trabalhei muito minha paciência, meus limites, meus medos e minha coragem, minha força. Por outro lado, não faria algo parecido novamente, tenho certeza que foi uma experiência traumática para muitos lá dentro. Um programa que estimula competição e não a união, não dá liberdade ao artista. Não acho que realmente te ajude a ser um profissional melhor. Como exemplo, posso falar dos "não's" que levei. Quando levei o segundo não da mesma pessoa, questionei e não tive nenhuma critica construtiva, algo que poderia ser bom para mim como profissional. Ou seja, não tinha muita base, mas foi uma boa experiência.
UM – Se não me engano, este ano você fez os vocais de apoio do Big Gilson no Festival de Rio das Ostras, né? Como foi a experiência?
SJ - Em 2017 fui convidada pelo Big Gilson para fazer backing vocals em algumas faixas do seu disco de 30 anos de carreira. Além de gravar em seu disco, muito honrada, subi com ele ao palco do Teatro Rival, no lançamento. Em novembro do mesmo ano, o acompanhei no Mississippi Delta Blues Festival, em Caxias do Sul, e ainda no Rio das Ostras em 2018. Nessa mesma edição do Rio das Ostras cantei com Caravana Cigana, saí correndo de um show para o outro (rs)! Foram experiências lindas! Sou muito grata, ele é um querido!
UM – Poderia falar sobre o seu primeiro disco, Sonja? Você teve algumas participações de luxo como Otávio Rocha (um dos melhores slider do mundo), Flávio Guimarães e Jefferson Gonçalves (dois magos da gaita)...
SJ - Já era uma vontade antiga gravar um disco com minhas músicas. Quando senti que havia encontrado as pessoas certas para produzir e gravar o disco, não perdi tempo. O álbum é homônimo porque me apresenta ao mundo, então, nada mais justo: esta sou eu. O álbum fala sobre experiências pessoais, sobre amores e paixões que marcaram minha vida, sobre meu olhar para fora e para dentro de mim mesma. Nele exponho a minha alma, é o blues (sentimento) vivido, é o veneno e o antídoto.
Para algumas canções chamamos alguns convidados que achamos que casariam bem com o som e com o que a música dizia. Otávio é um amigo querido que sempre chega junto conosco, tanto na caravana quanto no meu trabalho autoral, ele sempre apoia e comparece. Um ídolo, um dos maiores! Foi lindo tê-lo no meu disco. Foi uma experiência bonita entrar em estúdio com ele, muito fluido. Flávio também muito querido, ouvia o som dele em algumas das minhas músicas. Separei as faixas que achei mais relevantes e fiz o convite. De prima ele já fez tudo lindamente, queríamos poder botar todas as gravações juntas na faixa, de tão boas que ficaram! (rs) E Jefferson é uma longa historia de admiração que eu tenho. Foi o primeiro gaitista que eu vi tocando, com Celso Blues Boy ao vivo e a cores bem na minha frente, em Rio das Ostras. Quando o vi no palco, falei para mim mesma que um dia subiria ao palco com ele e que gravaria/cantaria algo com ele. Quando fizemos o disco, não tinha como deixar essa chance passar e aí fizemos o convite.
UM – O disco é todo em inglês. Você cogita gravar em português ou a sua carreira será toda em inglês?
SJ - O disco é em inglês, sim. E continuo a compor em inglês. Mas tenho composições em português, sim, que pretendo trabalhar em algum disco futuro, com certeza.
UM – No conforto de casa, você prefere escutar um blues acústico ou elétrico? Você pensa em gravar um disco ou ter um trabalho ao vivo 100% acústico?
SJ - Na maioria das vezes, prefiro o acústico, tenho um afeto gostoso por acústicos. Mas eu escuto dos dois. Penso em gravar muitos discos ainda, se Deus quiser. Com certeza um ao vivo acústico está na lista de desejos sim! (rs)
UM – A canção Lonely man tem uma pegada daquelas jazz singers. O quanto o jazz te influenciou? Quais nomes?
SJ - Eu gosto muito de Ella Fitzgerald, Thelonious Monk, Sarah Vaughan, Louis Armstrong, Dinah Washington... Acho que Lonely Man tem um tom debochado que me lembra muito a versão de Cry me a River da Dinah Washington. Mas, na verdade, não foi algo muito pensado para esse lado, ela foi puxada para o jazz naturalmente, o que a deixou muito mais interessante e "Tarantinesca"... (rs)
UM – Você fará a abertura do tributo a Celso Blues Boy, no Circo Voador, dia 19 de outubro. Você merece a oportunidade, fez por onde! A música do Celso te influenciou também?
SJ - Obrigada pelo reconhecimento. Sou muito grata ao convite feito pelo Jefferson Gonçalves para abrir este show. Não podemos deixar de falar do Celso Blues Boy quando falamos da cena de blues no Brasil. Embora meu trabalho caminhe para uma outra vertente, não posso deixar de ser grata ao que esse grande artista fez por nós. Ele abriu, desbravou, caminhos para os que viriam atrás seguindo o gênero.