Entrevista Al Pratt
Al Pratt é um americano radicado no Brasil há mais de trinta anos. Fã de Joe Cocker e de Van Morrison, um estudioso do blues e do blues-rock em geral, Al domina os instrumentos de corda e órgão Hammond. Já passou por projetos country e agora lidera o The Session ao lado dos seus filhos, mas o estilo que o melhor define é a americana. "Na verdade, meu gênero musical chama-se Americana, pois é uma mistura de muitas influências, blues, rock, rockabilly, country, jazz, tudo, mas a raiz de tudo isso eu considero o blues", explicou.
Sua admiração pela música brasileira começou com o maestro Tom Jobim e sua Garota de Ipanema, agora, totalmente integrado à cena blues carioca, Al tece generosos elogios aos músicos da cidade. "Álamo Leal é top, Celso Blues Boy, Manfra, Big Gilson, gostei muito do Cecel Alves e The Blindknots. Isso porque ainda nem conheço o pessoal de São Paulo ou do Sul. Os gaitistas daqui, como Jefferson Gonçalves, Toyo Bagoso e Flávio Guimarães, são excelentes! (...) O Kleber Dias também é muito bom, me impressionou a evolução do Leo Torresini como guitarrista, Cecelo Frony é muito bom e é divertido tocar com ele, também tem o Ivan Mariz, caraca são muitos! Eu gosto muito da voz de Edu Eddie Strada, canta muito bem, Greg Wilson é lenda já!", revelou.
Apesar do seu trabalho voltado ao blues-rock ser bem recente, Al Pratt será um daqueles nomes que rapidamente estará com público e lugar cativos no circuito carioca. O coroa é puro talento!
Ugo Medeiros - Você é um americano radicado no Brasil. Você nasceu e cresceu em Kamiah, Idaho, certo? Dei uma olhada no Google, uma cidade com menos de duas mil pessoas! Como foi crescer por lá? Me contaram uma estória de quando você quase foi comido por um urso! É uma região com aquelas florestas bem próximas de Montana, né?
Al Pratt - Na verdade eu nasci em Eugene, Oregon, mas aos quatro anos de idade minha família mudou para Kamiah, Idaho, um lugar muito lindo. Foi um privilégio crescer em um lugar assim, nós andávamos soltos, no verão passei o dia inteiro fora de casa com meus amigos, sempre de bicicleta, pescando, nadando no Rio Clearwater. Foi muito bom. A estória do urso não é tão dramática assim, o que aconteceu é que um dia de outono eu estava com meu pai caçando alce nas Montanhas Bitteroot, que fazem a fronteira entre Idaho e Montana, perto do Salmon River (Rio Salmão). Nós caçávamos todo ano, pois fornecia carne para a família para todo o inverno até o verão, era uma necessidade naquela época. Bom, eu tinha uns oito anos de idade, fiquei meio entediado e comecei a brincar pelo caminho enquanto meu pai continuava andando. De repente eu me encontrei sozinho no meio da floresta, mas confiante que seguindo a trilha encontraria com meu pai lá na frente. Meu pai, para me ensinar uma lição da vida silvestre, se escondeu atrás de uma grande arvore queimada em um incêndio florestal antigo. Quando cheguei perto, ele começou a rosnar igual um urso e eu levei um susto danado e saí correndo, gritando para meu pai me salvar. Aí, de longe, ouvi as gargalhadas do meu pai e saquei que ele tinha pregado uma peça e estava se divertindo muito com a minha reação. Bem feito, eu merecia, aprendi a ficar perto depois, porque realmente poderia ter sido um urso e eu poderia ter sido uma refeição (rs)!
UM - Agora sobre música, o que mais tocava por lá? Digo, havia uma música com uma identidade mais regional ou eram coisas vindas de outras regiões/Estados?
AP - Sendo um estado no interior dos EUA nos anos 1960, as rádios tocavam uma mistura de pop (Doris Day, Dean Martin, e outros artistas tipo "american dream") e o country (Jim Reeves, Eddie Arnold, Buck Owens, Porter Wagoner, Roy Acuff, eram muitos). Mas quando The Beatles apareceram no programa dominical de Ed Sullivan tudo mudou para mim, e eles foram seguidos pelos Stones, Dave Clark Five, Them, The Kinks, The Who, etc. e assim começou aquela invasão britânica. Eu acho que até essa british invasion fui mais influenciado pela música que meu pai tocava na vitrola, pois eu não ouvia muito o rádio, ele tocava Glenn Miller, Bennie Goodman, Jimmie Rodgers. Já a minha mãe gostava de musicais como Camelot, Brigadoon e outros sucessos da Broadway. A música era constante e muito agradável em casa.
UM - Você é multi-instrumentista, já te vi tocando órgão e pessoas de confiança me disseram que você é mestre no lap steel guitar. Quais instrumentos, de fato, você toca? Qual o seu preferido, aquele que você se sente mais à vontade?
AP - Cara, eu diria que eu fui multi-instrumentalista, agora eu toco violão e teclados. Eu tocava a guitarra pedal steel mas nunca cheguei nem perto de ser mestre (rs). Um dia me dei conta que para tocar no nível que eu queria era necessário me dedicar totalmente ao instrumento, pois requer muita dedicação e estudo. Naquele momento eu queria me concentrar no Hammond orgão e felizmente tive o prazer de conhecer Adair Torres, de São Paulo. Ele toca muito muito bem, definitivamente o melhor no América do Sul e chega ao nível dos melhores dos EUA. Aí decidi abandonar o steel e chamar Adair quando precisava de steel, fizemos um show com ele no Jazz Village em Penedo e foi muito legal, espero poder continuar fazendo shows com ele. O Rick Ferreira também toca muito bem! Mas realmente sinto que me expresso melhor, sinto mais à vontade, tocando o Hammond. Eu não sou muito bom, mas estou curtindo muito. Há organistas de Hammond excepcionais aqui no Brasil, Daniel de la Torre, em São Paulo, e Vanessa Rodrigues, aqui no Rio de Janeiro, são os melhores que eu conheço, nível world class mesmo.
UM - Como foi a sua vinda para o Brasil? Você já tinha o interesse pelo país ou foi algo inesperado?
AP - Minha primeira visita ao Brasil foi em 1976, eu estava indo para Buenos Aires e o avião da Varig atrasou e perdi a conexão. A empresa me colocou no Hotel Glória, fiquei muito impressionado com o quarto, especialmente com o banheiro azulejado. Nunca tinha visto um bidê (rs)!. Outras coisas que me impressionaram nessa curta visita foram a maneira que o taxista (um Dodge Colt) dirigia, me assustou para caramba!, e o uso de baldes vermelhos invertidos com lâmpadas dentro para marcar as obras na Av. Brasil. Depois voltei para o Brasil em 1977, em Caxias do Sul e uns meses em São Paulo, depois eu segui viagem para Lima (Perú), onde eu tocava com um amigo. Eu toquei em Buenos Aires de 1980 a 82, até o início da infeliz Guerra das Malvinas. Os EUA apoiaram a Inglaterra e o tempo fechou para um yankee nos palcos portenhos, nisso um amigo me pediu para construir um estúdio de gravação e rádio aqui no Rio e desde então moro no Brasil.
UM - Como foi entrar em contato com a música brasileira? Conhecia algum músico/banda previamente? Descobriu algum que te marcou?
AP - Para mim, Tom Jobim representava o Brasil, claro, Garota de Ipanema estourou nos EUA e a bossa nova tocava em todo lugar. Sérgio Mendes também encontrou muita popularidade nos EUA e eu gostava muito, porém nunca foi meu estilo, eu era mais enraizado no folk, blues e rock. Uma vez morando aqui comecei a curtir o Milton, Djavan e outros artistas. Do lado rock gostava algumas coisas dos Paralamas, Nando Reis e Titãs, mas eu estava trabalhando em um projeto internacional e andava meio desligado na cena. Mas curto muitos artistas hoje em dia, como Frejat, Skank etc. Além dos muitos artistas que não tiveram jabá suficiente para alcançar a fama, mas que estão ai até hoje batalhando. Eu não gostava do estranho hábito de priorizar o front man, deixando a banda em segundo plano, acho que isso é coisa da TV. O que eu gosto do mundo de blues aqui é o fato de ser muito mais democrático, mais genuíno e legítimo.
UM - Poderia falar sobre a cena blues-rock brasileira? Quais os músicos que mais te chamam atenção?
AP - Além do que mencionei acima, na real, eu gosto de todo mundo, é um mundo à parte com um público fiel. Eu sou um recém-chegado, pois eu estava em um projeto autoral meio country rock e só quando decidi me dedicar ao Hammond entrei em contato com pessoal daqui. Os primeiros foram Leo Torresini e Andre Carvalho no extinto Bar 247, Leblon. O Tony Lupidi eu conheci em uma banda de bluegrass, mas curto muito o que ele está fazendo musicalmente e espero uma oportunidade de fazer algo com ele. Eu conheci Cláudia Sette e Toni Rockeiro quando tocávamos juntos no Rock Street, em 2011, foi quando comecei a conhecer o pessoal. O Pedrão Strasser, que é gente boa pra caramba, e os outros músicos do projeto Singing the Blues da Claudia e Toni, o Ramiro Gabriel Habib, Julio Brau e Beto Saroldi. Eu conhecia e admirava os trabalhos do Blues Etilicos e do Baseado em Blues, eu sempre considerei o trabalho deles super legítimo. Álamo Leal é top, Celso Blues Boy, Manfra, Big Gilson, gostei muito do Cecel Alves e The Blindknots. Isso porque ainda nem conheço o pessoal de São Paulo ou do Sul. Os gaitistas daqui, como Jefferson Gonçalves, Toyo Bagoso e Flávio Guimarães, são excelentes! Adoro o Mississippi Delta Blues Bar na Gamboa, recomendo a todos, vale à pena assistir a um show lá, qualquer noite que seja. O Maurício Sahady apresenta uma noite interessante às tercas-feiras. Dos guitarristas que conheço, Cris Crochemore me deixou de queixo caido, gosto do Mauricio Sahady (excelente cantor também), Otávio Rocha é muito bom e excelente com slide também. O Kleber Dias também é muito bom, me impressionou a evolução do Leo Torresini como guitarrista, Cecelo Frony é muito bom e é divertido tocar com ele, também tem o Ivan Mariz, caraca são muitos! Eu gosto muito da voz de Edu Eddie Strada, canta muito bem, Greg Wilson é lenda já! No baixo temos o Claudio Bedran, Cesar Lago, Ugo Perrotta, Alberto Filippo, e outros, claro. De Bateristas gosto do Strasser, André Carvalho, o Beto Werther é monstro, Renato Massa é mestre mesmo. Cara meus dedos estão acabando (rs)!
UM - Poderia nos falar um pouco sobre os seus shows? Já me falaram que você não tem um set-list apenas de covers, é um cara que gosta muito de canções autorais...
AP - Só recentemente comecei a fazer shows, estou trabalhando com o The Session, ao lado dos meus filhos Eric, na guitarra, e Brandt, na bateria, além do Alex Tavares, que faz o baixo e o vocal. Recentemente participamos do festival Tudo Blues com o André Carvalho na bateria, foi muito agradável mesmo. Também tive o prazer de apresentar uma cantora nova nesse festival, a Masha Kinova, que promete arrebentar daqui a pouco. Na verdade, meu gênero musical chama-se Americana, pois é uma mistura de muitas influências, blues, rock, rockabilly, country, jazz, tudo, mas a raiz de tudo isso eu considero o blues. Com o The Session faço coisas diferentes, algo como Blues Session, o Rock Session ou country session, inegavelmente são as minhas principais influências. O Country Session tem a participação do Adair Torres no pedal steel, que é um show aparte, realmente. Sou o compositor em todos esses estilos e tenho muitos trabalhos autorais de blues e bluesrock. No festival Tudo Blues apresentei duas, Don't look back e Wailin' like a banshee, que foram muito bem recebidas, gostei muito da reação do público. Tenho outras prontas, Downtown blues, Green room, Dangerous friends, I can stand a little rain, Job's blues, entre outras. É complicado apresentar trabalhos autorais, pois o público se relaciona mais com standards e as mais conhecidas, mas em doses pequenas dá para apresentar os trabalhos autorais aos poucos.
UM - Você poderia falar seus cinco músicos favoritos?
AP - Pergunta difícil, mas vamos lá... Eu diria que o Otis Redding me tocou mais do que qualquer outro, Van Morrison, Joe Cocker, Jimmy Smith e tenho que incluir Bob Dylan pela influência geral em um mundo inteiro. Claro que tenho muitos outros favoritos, mas esses cinco acertaram minha alma em cheio. Clapton é um gigante, John Mayall foi um dos meus primeiros contatos com o blues, já que eu recebi o blues através dos Britânicos, não tocava música negra na minha região. Trabalhei com Jeremy Spencer durante uns 4 ou 5 anos, um super slide guitarist, entre os melhores, com certeza. Ele me contava como eles devoraram o blues na Inglaterra nos anos 1960, Fleetwood Mac só tocava blues no começo e eram super ligados com o blues original, dos artistas originais.
UM - E agora cinco discos essenciais que moldaram a sua personalidade musical?
AP - LP? Bom, John Mayall and the Bluesbreakers (com Eric Clapton), Jimi Hendrix' Axis Bold as Love, Delaney and Bonnie and Friends, St. Dominic's Preview do Van Morrison e o Fillmore East do Allman Brothers. Mas é uma lista curta considerando as horas e horas e horas de prazer que tive ouvindo música. Dois discos 45 polegadas que me influenciaram muito foram Dock of the Bay do Otis Redding e A Change Is Gonna Come do Sam Cooke.
UM - Você é um cara bem experiente na música, nasceu no país que é o berço do blues, do soul, do jazz, do blues-rock. Para finalizar, poderia dar alguns conselhos aos jovens músicos brasileiros que tentam entrar nesse mundo musical?
AP - Seja original e genuíno. A música é uma musa muito exigente capaz de te levar para o Céu ou te jogar no Inferno, mas que vale à pena seguir esse caminho a qualquer custo. Estude mas não fique preso a doutrinas ou modas musicais, seja fiel a você mesmo e honre seu dom e, acima de tudo, honre a fonte do seu dom e talento. Digo, o seu Criador na forma que você O conhece, pois a vida aqui é curta, mas você tem uma carreira eterna! Um abraço!