Pearl Jam no Maracanã. Ou: minhas impressões sobre uma banda mediana que eu não gosto nem desgosto
Não acho o Pearl Jam nada demais, uma banda medíocre – palavra esta que de tempos para cá ganhou conotação de algo ruim, pavoroso, sem qualidade – que em seus melhores dias conquista uma nota sete. Pronto, seguindo a tendência coletiva brasileira, antes mesmo de fechar o primeiro parágrafo, alguns me acusarão disso ou daquilo, criarão hashtags contra este editor limítrofe e minhas redes sociais serão alvos de fãs descompensados. Ok, a vida segue, mas nem por isso deixarei de argumentar e traçar algumas linhas tortas em defesa dos meus argumentos racionais.
Gosto do disco de estreia da banda, Ten (1991), na real é difícil achar uma alma que não goste. Um disco avassalador, um terremoto na indústria fonográfica pré-internet, de quando a compra do disco era um dos principais meios a um novo trabalho (junto com o rádio e a jovem MTV). Foi a explosão definitiva que moldou/estabeleceu uma cena, um estilo e uma legião de seguidores, o grunge, incontestavelmente, tornava-se um importante produto de massa. Aqueles adolescentes sujos influenciados pelo punk, agora repaginados, ajudavam a criar uma estética noventista, até então indefinida.
Meu irmão comprou o disco e escutava o dia todo. Ligávamos a MTV, eu, um moleque gordinho e nerd, esperando pelo clipe de You could be mine dos Guns’n’Roses, e lá vinha Jeremy. Bastava sintonizar a Rádio Cidade, Rio de Janeiro, para que Even Flow ecoasse em nosso quarto. Um fenômeno como poucos na história do rock. Fato é que o Pearl Jam comandou (por mérito) durante aquela década.
Nesse clima, em uma mistura de nostalgia e paixão, fui empolgado ao primeiro show deles em 2005, na Apoteose. Ao lado de uma namorada, vibramos com os clássicos, ficamos abraçados nas canções lentas. Impossível esquecer quando mandaram Baba O’Riley (The Who) de saideira e um cidadão gritou surpreso “Caramba, que legal essa música nova do Pearl Jam!”. Enfim, um bom momento, inesquecível por tudo o que representou.
Passados alguns anos a leitura sobre uma banda, invariavelmente, muda. E estanho seria se não mudasse. Talvez pela constante pesquisa musical e novas influências, quem sabe pelo amadurecimento ou mesmo pelo aprendizado em diferenciar nostalgia e qualidade. Uma boa lição discernindo esses dois pontos foi quando escrevi uma resenha endeusando o NOFX e um bom amigo arrematou. “Uma coisa é você ser grato, recordar com carinho uma determinada banda, outra coisa, bem diferente, é mantê-la em um pedestal depois de velho”, e agradeço pelo comentário professoral, velho amigo!
Sinceramente, não comprei ingressos, meu interesse nesse show era baixo. Nenhuma raiva ou sentimentos negativos, apenas não gastaria quase R$400 em um ticket inteiro – sou desses que não falsifica carteira de estudante, mamata que inflaciona e corrompe a produção cultural no país. Ganhei na véspera duas entradas e parti em uma jornada hercúlea, sair do Recreio dos Bandeirantes em direção ao Maracanã de transporte público em tempos de total falência dos serviços cariocas. Não fui forçado, tampouco em êxtase, apenas como um observador buscando um mínimo de imparcialidade.
Comprei duas ou três cervejas, sentei perto do portão na espera do amigo que me acompanharia. Até que um grupo de viúvas do grunge, uns caras com cabelos brancos, camisas pretas de rock e casacos de flanela amarrados na cintura, começou uma discussão sobre a vereadora covardemente executada e política em geral. Santo Cristo, até na porra do show do Pearl Jam!
- ... E tem mais, se o Eddie Vedder defender a esquerda, eu vou xingar muito esse merda!
A cerveja desceu quadrada. Respirei e me fiz de surdo. Não, não sou esquerda, tampouco me enquadro na nova direita Jair-olavista. O que me assusta são os atuais conceitos políticos toscos do brasileiro, em que todos possuem pós-graduação em “Comentaristas de Redes Sociais”. Pessoalmente, não sou partidário de tudo o que seu vocalista declara, mas, e aí?, devo questionar a obra artística por posicionamentos políticos? Miles Davis disse certa vez que o se mundo estivesse acabando, sairia pela rua matando o máximo de brancos possível. Devemos queimar Kind of Blue ou Sketches of Spain? De forma alguma.
Longe de mim defender a esquerda, mesmo porque se fosse algum de sobrenome Bolsonaro morto, os mesmos (justamente) ofendidos estariam a comemorar. Em caso do Neil Young defender o posso de arma ou o governo Trump na véspera, lançariam campanhas de boicote e vaias seriam ouvidas durante o show. Em uma cidade que tornou-se uma Gotham City, lados políticos são meros reflexos deformados um do outro, infelizmente o brasileiro carrega valores esquizofrênicos da Guerra do Vietnã. Uma batalha entre o bem (meu lado) e o mal (todos que pensam diferente).
Os integrantes Pearl Jam, sobretudo seu líder Eddie Vedder, SEMPRE pensaram à gauche, mas nem por isso perderam o respeito de quem pensasse diferente. Quer dizer que toda a obra da banda é colocada em xeque, ao que tudo indica por um fã de longa data, porque um povo que deixou de ler agora compartilha vídeos de profetas políticos nas redes sociais? Podem espernear, gritar ou xingar, mas, com todos os seus defeitos, os EUA ainda têm um maior apreço pela liberdade de expressão. Um bom exemplo é ver Ted Nugent (caçador ultradireitista) trocando gentilezas com Tom Morello (esquerdista defensor do governo Dilma e outras bizarrices latino-americanas).
O amigo chegou. Me afastei do grupelho infame e mandei, mentalmente, todos tomarem em um lugar bem apertado. Sempre disse aos próximos que o Brasil cansa. Não, estava equivocado, o Brasil está doente.
Bem, decidimos que não veríamos o Royal Blood, bandinha inglesa ridícula que jura ser um duo mas que conta com músicos extras bem escondidos e overdubs. Passei por essa decepção durante o Rock in Rio de 2015. Posso até ter cara mas não sou um otário por inteiro. Nos dirigimos ao boteco mais próximo, a partir dali perdi a capacidade da matemática básica e qualquer esforço de contar as cervejas será inútil.
Entramos e nos acomodamos. O show começou. Primeira música, segunda, terceira e nada de empolgação, zero. De fato, passados quase dez anos daquela apresentação, as canções do Ten não soam mais como antigamente. Jeremy tem a proeza de lembrar Enter sandman do Metallica. Enter sandman? Sim! Ambas são trilhas perfeitas para uma aula de ginástica aeróbica cheia de coroas flácidas. Feche os olhos e imagine o refrão. “Jeremy spoke in class todaaaaaaaay...”, vejo a cena da professora abrindo os braços, levantando as pernas e mandando aquelas frases motivacionais para que ninguém desista da série. Even flow é bacana, mas não passa disso. E Alive, seria esta uma canção antológica? NEM A PAU! Há quem sempre pergunte sobre Do the Evolution, caso interessante e típico de uma música que marcou mais pelo clipe.
É uma banda com músicos notas cinco que conta com um vocalista nota sete, em noite empolgadas atingindo um belo oito. “Ah, mas os Ramones também eram ruins tecnicamente”, argumento verdadeiro e válido. Sim, mas o grupo empolgava até o maior devoto de São Cartola ou de Imperatriz Beth Carvalho. Ramones sempre compensou no coração as limitações instrumentais. O show do Pearl Jam, tirando momentos bem específicos, é para movimentar a cabeça lentamente e assistir ao show abraçado com quem lhe é especial. E não passa disso.
O Pearl Jam é praticamente uma one-man band. Fato comprovado quando os fãs me perguntam sobre o disco solo do Eddie Vedder com apenas um ukelele, a famosa trilha sonora de Into The Wild. Belo disco, merece todo o respeito e atenção. Agora, tire o vocalista dali. O que sobrará? Uma banda de rock colegial.
Ir ao show não foi um sacrifício, de forma alguma!, porém longe de ter sido um divisor de águas na vida desse pretenso crítico. Pontuo apenas que é necessário analisar o concerto a partir de critérios técnicos, separando exageros, radicalismos e paixões. Também não tratarei com desdém ou qualquer tipo de preconceito a quem elogie a apresentação. Gosto é pessoal, mas, reforço novamente, uma resenha deve conter um mínimo de imparcialidade, com preceitos e fundamentos, quase como um olhar clínico. Por favor, meu intuito não é ofender um aficionado pela banda!
Darei um exemplo pessoal, experiência por mim vivida, história real. Assistir ao vivo ao Mötley Crüe era um dos meus desejos. Realizei no mesmo Rock in Rio de 2015 citado acima, infelizmente uma grande decepção. Um show completamente playback, de cabo a rabo. Conheci gente que não aceitou o ocorrido e jurou que eu não entendia lhufas de música. Pode até ser.
Enxergo o Pearl Jam como uma banda bacana e seu show é divertido. E esse é maior elogio que consigo. O melhor da noite, sem dúvida, foi o cartaz oficial do show (foto do artigo) e o meme que fiz na volta do metrô ainda embalado pelo álcool. Iria a um novo show deles? De graça, numa boa, por que não?