Entrevista Bex Marshall
Uma baixinha rechonchuda made in England, com sobrenome da realeza mas sangue (e jeito) cigano. Uma mistura muito louca que representa de forma fidedigna Bex Marshall, uma agradável revelação do blues londrino. Desde cedo devorando os discos dos seus parentes, escutou muito Eric Clapton, Son House, Hwolin'Wolf e Tina Turner. "Sendo bem sincera, não posso dizer que escutei apenas blues, consumi tudo o que estava ao meu redor e acabei influenciada pela música americana. De modo bem geral, desde Joe Walsh do Eagles a Tina Turner, estava tudo lá e cada artista veio em um momento diferente. Mas, claro, tenho um amor pelo blues de raiz, sempre foi algo grande na minha vida".
Bex foge do clichê em citar Janis Joplin como vocalista favorita, como se toda mulher necessariamente devesse achar Joplin algo monstruosamente bom, "(...) o meu primeiro amor foi a Tina Turner. Se você escutar as entrevistas da Janis perceberá o quanto ela também tinha a Tina Turner como sua ídolo. Acho que ambas éramos duas garotas brancas tentando ser a Tina!". A inglesa rodou o mundo com apenas dezessete anos e passou por lugares exóticos como Tasmânia e Islândia. Tudo isso marcou a sua música. Apesar de não incorporar estilos folclóricos de outros países, permitiu-se algo diferente e buscou o inexplorado. "Muita coisa influenciou a minha música, mas, sobretudo as pessoas que conheci pelo caminho. A coisa mais importante a se escutar é o instinto de sobrevivência que vem de dentro, se sentir que algo parece certo, então faça. Acredito demais nisso desde os tempos que eu viaja pegando carona pela Austrália!".
Apesar do primeiro disco, Kitchen Table, ser apenas mediano, o segundo, House of Mercy, é recheado de ótimas referências ao country, rock, blues e alguma coisa de jazz. Bex apresenta um vocal mais maduro e a banda por trás é bem segura. Em mais uma passagem pelo Rio de Janeiro, a cantora fará duas apresentações no Mississipi Delta Blues Bar nos dias 2 e 3 de fevereiro.
Ugo Medeiros – Você é metade inglesa, metade irlandesa, certo? Apesar de ambos os países estarem bem próximos possuem personalidades bem diferentes. Como cada uma dessas ascendências influenciou na personalidade da Bex? Estes dois lados também marcam a sua música?
Bex Marshall - Musicalmente acho que a minha habilidade em escrever canções veio através da família do meu pai, o sobrenome é, na verdade, Coleridge (assim como o famoso poeta). Meu pai sempre escrevia poemas engraçados, e o seu pai (no caso, meu avô) tinha um daqueles título de nobreza em Cornwall, portanto ele tinha muita facilidade linguística e falava um inglês irretocável (como um membro da corte real). Já o lado da minha mãe tinha de vagabundos ciganos a ladrões (rs), eles tinham um toque daquele linguajar cigano e muitos eram músicos. Meu tio cantava uma canção para mim quando eu tinha apenas oito anos, aquele vocal pirou a minha cabeça. Performances acústicas sempre tiveram muito valor para mim.
UM – O seu primeiro violão foi um Gibson Hummingbird de 1963? Que preciosidade! Você ainda tem?
BM - Sim, ainda o tenho, apesar de não excursionar com ele. Uso quando estou em casa, amigos pedem para tocá-lo, era o violão que ficava no estúdio de uma estação de rádio chamada House of Mercy, comandada pelo meu falecido marido Barry marshall-Everitt. Todos os músicos incríveis, que eram entrevistados por ele sempre, pediam para tocar o violão durante as apresentações na rádio. É um violão precioso, mas precisa ser tocado!
UM – É interessante porque os músicos ingleses pegaram todo aquele R&B e blues americano e criaram um tipo de rock único (invasão britânica), bandas como Rolling stones, The Beatles, Animals, Small Faces, etc. Sem falar que os guitarristas eram fantásticos, Eric Clapton, Jim Page, Mick Taylor, Paul Kossof, Robin Trower. Como é a cena de blues inglesa? Digo, a Bex escutava muito blues nos pubs ou rolava mais rock? Veja só, um dos meus bluesman contemporâneos favoritos é o inglês Ian Siegal...
BM -Eu fui influenciada em grande parte pelos discos dos meus tios, era uma coleção incrível, bem variada, desde Howlin' Wolf a Eric Clapton, Rod Stewart e The Who. Sendo bem sincera, não posso dizer que escutei apenas blues, consumi tudo o que estava ao meu redor e acabei influenciada pela música americana. De modo bem geral, desde Joe Walsh do Eagles a Tina Turner, estava tudo lá e cada artista veio em um momento diferente. Mas, claro, tenho um amor pelo blues de raiz, sempre foi algo grande na minha vida. Ah, sobre o Ian Siegal, ele foi nosso inquilino por uns anos em Londres, creio que entre 2013/14, nós nos divertimos demais na rádio House of Mercy!
UM – Você gosta demais de slide, está sempre presente nas suas canções e nos seus álbuns. Quem é a sua maior influência no slide?
BM - Eu gosto do estilo do Son House e também do Ry Cooder. Claro, Bonnie Raitt! A minha forma de tocar slide blues é uma mistura de ragtime, slide e rock, com uma percussão de bluegrass (rs).
UM – Você tem uma voz bem potente. Quem mais você escutou durante a sua juventude? Posso confessar uma coisa? E por favor, não me odeie! Eu não suporto Janis Joplin!
BM - Ah é?! É engraçado porque o meu primeiro amor foi a Tina Turner. Se você escutar as entrevistas da Janis perceberá o quanto ela também tinha a Tina Turner como sua ídolo. Acho que ambas éramos duas garotas brancas tentando ser a Tina!
UM - Você viajou pelo mundo com a sua guitarra nas costas? Bem ao estilo On the road de Jack Kerouac ou, talvez, como fez Robert Zimmerman antes de se tornar Bob Dylan! Por quais países você passou? Como você sobreviveu? Tantas viagens influenciaram a sua música?
BM - Pois é, isso veio com a coisa cigana da família da minha mãe, como disse anteriormente, para mim não foi nenhuma dificuldade pegar a estrada quando tinha apenas dezessete anos. Eu simplesmente não podia esperar. Eu passei por diversas aventuras, muitas mesmo, às vezes me sinto uma vampira de 600 anos. Sou viciada em viajar e curtir o planeta, e ainda mais através da música. É um sonho que se torna realidade. Toquei nos EUA (incluindo o Havaí), Austrália (também na ilha da Tasmânia), Canadá, Bélgica, nas Ilhas Jersey, Itália, França, República Tcheca, Suíça, Eslováquia, Islândia... Muita coisa influenciou a minha música, mas, sobretudo as pessoas que conheci pelo caminho. A coisa mais importante a se escutar é o instinto de sobrevivência que vem de dentro, se sentir que algo parece certo, então faça. Acredito demais nisso desde os tempos que eu viaja pegando carona pela Austrália!
UM – Tenho que admitir, seu primeiro achei apenas "ok", MAS o seu segundo, The House of Mercy, é excelente! Parabéns! Você poderia falar sobre o disco?
BM - Obrigado. Bem, eu tive mais dinheiro para produzir o disco, isso ajudou bastante! Tive tempo para fazer do meu jeito. Eu tocava com uma banda excepcional na época e eles formaram o centro da coisa toda. Sem falar nos convidados, todos amigos que passaram pela rádio e também pela nossa casa, que também se chamava House of Mercy. O álbum é um reflexo do maravilhoso período musical que tivemos, sempre recebendo e gravando diversos músicos.
UM – Ainda sobre o álbum, ele mostra diversas influências. House of mercy e Big man, ambas têm uma pega country. Rent my room e Guilty são ótimas canções de rock. Rattlesnake tem um toque jazzístico. Você poderia falar sobre todas essas influências?
BM -Minhas influências são vastas e eu quis mostrar isso, mas sempre tendo o blues dentro de cada uma dessas influências. Foi muito importante para diversificar e sair daquela estrutura mais rígida do blues de doze compassos, que é como uma zona de conforto, e tentar criar algo interessante. Eu mesma produzi o disco e acabei ganhando um prêmio de Álbum do Ano em 2013, foi uma grande honra. Eu quis mostrar uma versatilidade mas mantendo um sentimento de continuidade ao trabalho. Foi muito bacana fazer esse projeto, claro, ajudou o fato de eu ter o melhor engenheiro de som do planeta: Nick Hunt! Eu tenho um disco anterior a esses dois que você citou, Bootlace, o relançarei em breve. Ainda usarei algumas canções desse disco em projetos futuros, minhas melhores canções estão nesse disco.
UM – A canção Barry's song é sobre quem? Eu não concluí se é uma piada ou uma estória melancólica. Você pode contar?
BM - Escrevi a canção para o meu falecido marido, para o dia do nosso casamento. Nos casamos perto de Austin (texas) e quase trinta pessoas vieram de todos os cantos do planeta para nos ajudar a celebrar. Foi em uma pequena aldeia no interior, em uma região montanhosa. Como pode imaginar, tomamos a cidade por completo e tivemos grandes momentos durante cinco dias. A letra foi meu presente para ele, após todos os discursos, sem ele saber, comecei a cantar. Não teve um olho "seco" (sem chorar) em toda a cerimônia.
UM – Eu li um depoimento do Booker T. no site: "Finalmente uma mulher que toque guitarra como uma deusa, cante como um anjo, escreva como Dylan e sorria como o diabo". Que privilégio!
BM - Sim, eu o ajudei uma vez durante o Maryport Blues Festival (Reino Unido). O cara é um artista incrível, uma verdadeira lenda viva. E, sim, que baita elogio (rs)!
UM – Você tocará aqui no Rio de Janeiro, no Mississipi Delta Blues Bar, nos próximos dias 2 e 3 de fevereiro. Você poderia falar sobre essa turnê brasileira? Será solo, a Bex apenas com um violão, ou com uma banda local?
BM - Essa turnê terá uma apresentação solo e outra com banda local. Eu trouxe três guitarras comigo: a minha nova Teye Apache electric, uma Signature Ozark resonator e uma Ibanez Acoustic. Portanto eu preciso de um roadie! Tenho vindo ao Brasil há uns quatro anos e as coisas estão cada vez melhor. Não é um país fácil para chegar e tocar, não tem muitas cantoras estrangeiras independente fazendo isso! Demorou um tempo para eu achar as pessoas certas para tocar, mas agora me sinto bem, adoro o tempo que passo por aqui. O povo brasileiro sempre me recebeu extremamente bem, mesmo com o país passando por um momento bem difícil. Sempre virei aqui. Toquei em festivais super legais, não consigo dizer o quanto amo o país e o povo! Fico honrada por curtirem a minha música. E, claro, vocês fazem o melhor drink do planeta: CAIPIRINHA!