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Entrevista Raphael Wressnig


A Áustria é um dos locais sagrados da música clássica, sua capital Viena é respeitada pela forte tradição no estilo e possui, ao lado de Nova Iorque e Berlim, uma das melhores temporadas de concertos no mundo. Não é exagero associar o país a maestros e jovens compositores que dedicam a vida aos estudos de Bruckner, Mahler ou Mozart. Bruckner, austríaco legítimo, é referência absoluta na música clássica e foi uma das inspirações para Mahler. Este, nascido no que hoje é a República Tcheca, viveu na Áustria durante o auge da genial carreira e faleceu em Viena. Já Mozart, conhecido até pelos mais leigos na música erudita, viveu na cidade de Salzburg, cidadezinha localizada aos pés dos Alpes.

Agora, seria um erro crasso limitar o país apenas às óperas e sinfonias. E Raphael Wressnig pede licença para incendiar o formalismo de toda aquela tradição - que às vezes pode assustar quem vê de longe - com muito jazz, funk e groove. O pianista, nascido em Graz, é maluco por ritmos mais quentes e roda o mundo sempre ao lado de músicos interessantes. "A música traz alegria e eu quero espalhar essas boas vibrações. Quero que a minha música seja com bastante groove e com muita emoção", comenta Raphael. Recentemente gravou Soul Connection com o brasileiro Igor Prado, um bom trabalho que também contou com a participação de outros músicos que passaram pela sua carreira de quase vinte anos. Sobre Igor Prado, fenômeno avassalador do blues mundial, é enfático ao afirmar que "ele carrega toda a tradição e, ainda, consegue soar bem contemporâneo. Eu acho que ele tem a abordagem mais artística e eu amo a coisa da encenação artística".

Raphael Wressnig contou um pouco sobre a sua formação musical, o amor pelo funk de Nova Orleans e sua relação com alguns dos guitarristas que o ajudam na criação de uma música dançante e apimentada. Confiram!



Ugo Medeiros - Você é austríaco e apesar de eu ainda não conhecer, sei que é um país intimamente ligado à música. Amigos me dizem que Viena respira música, no caso muita música clássica. Como foi a sua infância na Áustria? No começo, foi sobretudo Mozart ou teve espaço para outros estilos?


Raphael Wressnig - É verdade, a Áustria tem uma grande tradição na música. Eu acho que, nesse caso, é bem parecida com o Brasil. Ambos os países contribuíram demais com boa música ao mundo. As crianças que começavam com a música de Mozart, Haydn e muita coisa de música clássica. Eu sou um músico autodidata, comecei no piano e tentando tocar as música do Buddy Guy. Logo depois me toquei que eu preferia o órgão e estilos como blues, jazz, soul e funk. UM - Qual foi o disco ou músico que você escutou e falou: "É isso, eu quero ser músico!"? RW - Nenhum disco específico. Eu amava Buddy Guy e o funk do Albert Collins. Logo depois descobri Jimmy McGriff e Jimmy Smith, depois muito da música soul e funk. Eu amava aquela força e o som do órgão Hammond. UM - Quais os discos que mudaram a sua vida, qual seria a lista? RW - Sem dúvidas, seriam:

- Back at the Chicken Shack (Jimmy Smith)

- Damn Right I've Got the Blues (Buddy Guy) - Green Onions (Booker T. & the MG's)

- Hip Hug Her (Booker T. & the MGs)

- Look-Ka Py Py (The Meters)

UM - Você é um mestre do órgão B-3. Você poderia explicar o tipo de som e as diferenças para o teclado tradicional? RW - Para mim, a grande diferença é que o B-3 te possibilita extrair milhões de cores, te dá um colorido único. O músico tem diversas maneiras de expressar diferentes sonoridades. O instrumento acústico também te dá essas possibilidades. No piano você pode ter muitos sons dependendo da forma de tocar, o seu toque define o som. É diferente no órgão Hammond, não tem a coisa de um toque dinâmico, diferenciado, usa-se apenas o pedal de volume e expressão. Mas, por outro lado, tem também os drawbars (que mexem com os timbres das notas) e a forma que você as configura/equaliza. Esse som, configurado ao seu gosto, define o seu estilo! Acho que as pessoas reconhecerão o meu estilo! UM - Eu escutei a maior parte da sua discografia, realmente muito boa e com variadas influências. Novamente sobre a música clássica, a sua música Angel eyes, do disco True Blues, traz muito dessa escola...


RW - Sim, é uma linda canção, um clássico. Gosto demais de canções como esta, assim como aquele blues com bastante lamento, quase em depressão. UM - Ainda sobre o disco True Blue, duas músicas me chamam atenção: Thats enough e One Mo 'Blues. É um disco tem muito de jazz e groove. Você poderia falar sobre esse trabalho e a ideia de unir o clássico, o jazz e o groove? RW - Muito interessante você mencionar especificamente esse álbum. Acho que é uma tentativa de tocar aquele órgão jazzístico mais clássico, como os grandes: Jimmy Smith e Grant Green, Wes Montgomery, Jack McDuff, George Benson. Eu gravei com Jim Mullen, um grande, grande, guitarrista escocês que tocou com alguns dos melhores, como Jimmy Smith. Ele foi o "guitarrista da casa" no Ronnie Scotts, um dos melhores jazz clubs no mundo e, tranquilamente, a melhor casa de jazz em Londres. E ainda tocou um tempo com a Average White Band. Já o conhecia há um bom tempo. Eu tentei tocar soul-jazz e jazz, o que acaba trazendo blues, fazendo uma mistura, uma aproximação entre esses estilos. Meus últimos discos têm sido mais blues, groove, soul, e as coisas mais para o lado do funk. Ainda tenho a vontade de voltar e fazer um álbum como True Blues, mas talvez mais para frente. UM - Quase todos os seus discos contam com participação do guitarrista Alex Schultz. Primeiramente, você poderia apresentá-lo ao público brasileiro? Como você o conheceu?


RW - Alex é um dos guitarristas mais talentosos do planeta. Nós compartilhamos a paixão e o amor pela mesma música! Ele nasceu em Nova Iorque e se mudou para Los Angeles quando tinha vinte anos. Ele se tornou um dos expoentes daquela cena Westcoast blues junto com músicos bem interessantes, como Junior Watson, Hollywood Fats, Rod Piazza. UM - Ainda sobre Alex Schultz, escutei o disco Don't Be Afraid, muito bom! A faixa Jimmy McGroove é fantástica! Você poderia falar sobre a parceria e o álbum?


RW - O Alex trabalha e soa muito bem no estúdio, é um músico muito criativo e com um gosto incrível. Acho que juntos fazemos uma ótima música! Na verdade, estamos pensando em fazer mais um disco juntos! Jimmy McGroove é um pequeno tributo aos grandes grooves e shuffles do Jimmy McGriff. UM - Você gosta de parcerias com guitarristas, além do Alex Schultz você também gravou com o italiano Enrico Crivellaro. Como você o conheceu? Você poderia traçar diferenças/semelhanças entre os dois? RW - Bem, todos desenvolvem um som peculiar, bem pessoal. Ambos trabalharam em Los Angeles por um tempo, ambos têm um estilo de música similar, mas, ainda assim, soam bem diferentes. Acho que os dois são mestres em dosar a elegância do jazz com a força e o sentimento do blues e do soul!

UM - Você teve a oportunidade de viajar para Nova Orleans. Essa viagem mudou a sua música?


RW - Eu sempre amei Nova Orleans, é um grande caldeirão, uma "mistureba" musical. Os músicos de Nova Orleans sempre misturaram diferentes estilos e, talvez por isso, é considerado o berço do jazz. Ainda assim, além do jazz, tem muito funk e groove e soul. Eles criaram uma das músicas mais excitantes! Levei quase quinze anos para finalizar o disco que gravei lá, Soul Gumbo é a visão, um apanhado, da minha carreira que completa vinte anos. Conheci muitos músicos excelentes, alguns deles eram de Nova Orleans ou Louisiana. Sempre quis estar e trabalhar com eles no ambiente deles. Levei minhas canções e a minha música, eles acrescentaram o groove e a pimenta, tudo isso dentro da visão musical deles. Gosto que a minha música seja bem apimentada, incendiária e groovy! UM - Como você conheceu o Igor Prado? Você concorda que ele seja atualmente o grande nome do blues mundial? RW - O conheci através do saxofonista de R&B "Sax" Gordon. Nós fizemos uma all-star band para o Poretta Soul Festival, na Itália, um dos mais importantes festivais de soul. O interessante é que todos tinham discos de soul recém lançados: Igor Prado com Soul & Blues Sessions, Gordon com Showtime e eu tinha Soul Gift. Foi uma ideia fantástica do Gordon ter me apresentado ao Igor, pois ambos somos da mesma geração e respeitados ao redor do mundo, amamos o mesmo tipo de música e estamos sempre produzindo bastante coisa. É muito legal conectar duas pessoas de países diferentes, foi uma ideia muito boa.

Sim, concordo que o Igor está no topo da cena do blues. Na verdade, eu diria que existem alguns caras mundo afora, uma geração mais nova do blues. Por exemplo, Kirk Fletcher (com quem eu já trabalhei), "Monster" Mike Welch (toquei com ele há alguns anos no Graz Blues Festival, na minha cidade natal) e Kid Anderson. O Igor é, talvez, o mais excitante desses nomes, ele desenvolveu um som bem distinto e tem uma sagacidade no jeito de tocar. É engraçado vê-lo em ação, ele carrega toda a tradição e, ainda, consegue soar bem contemporâneo. Eu acho que ele tem a abordagem mais artística e eu amo a coisa da encenação artística. É possível escutar isso nos trabalhos dele! Kirk, por exemplo, tem um talento incrível e é um ótimo guitarrista, mas o Igor é muito criativo nas suas produções. Como eu digo: grande ARTISTA. Uma boa comparação é Jimmie Vaughan, é por isso que eu amo o Jimmie, ele toca com todo aquele lamento do blues mas com uma forma criativa. UM - Você poderia falar um pouco sobre Soul Connection, disco em parceria com o Igor?


RW - Nós excursionamos ao longo dos anos, acho que foram duas turnês europeias e três pela América do Sul. Dois anos atrás fizemos uma viagem de um mês e por duas semanas tivemos Wee Willie Walker como nosso convidado. Igor me chamou e sugeriu que fizéssemos um disco. O Willie teve que retornar para casa e o Igor reservou um estúdio por um dia para gravar algumas canções. Foi um estúdio bem old school, cinco caras no espaço e um punhado de canções em apenas um dia. Depois, Igor e eu mixamos e masterizamos a coisa toda. É um grande disco e tenho muito orgulho, uma produção de bom gosto com grandes músicos. Igor e a banda (Yuri e Rodrigo) são incríveis, todos músicos muito talentosos. Todos gostamos das mesmas coisas e conhecemos bem o estilo. Isso facilita na hora de gravar apesar do curto tempo. Tivemos grandes convidados, como Wee Willie Walker, Davidd Hudson e Leon Beal. O "Sax" Gordon acrescentou algumas partes na sessão de sopros. UM - Recentemente você gravou Captures Alive. Você poderia falar sobre o disco? RW - Esse é o meu segundo disco ao vivo. Eu queria fazer um "best of" do meu show ao vivo e gravar com a minha banda, The Soul Gift Band. Enrico Crivellaro na guitarra, Silvio Berger na bateria e uma sessão de sopros com Michael Schaffer e Max The Sax. Tenho excursionado há um bom tempo com uma sessão de sopros e eu queria fazer um disco ao vivo clássico. Foi lançado em CD e LP. Tivemos a diva do soul e do blues de Chicago, Deitra Farr, como convidada especial.

A música traz alegria e eu quero espalhar essas boas vibrações. Quero que a minha música seja com bastante groove e com muita emoção, e quero uma longa trajetória. É muito bom ser capaz de fazer isso com tantos músicos maravilhosos como Alex, Igor e tantos outros. Espero que as pessoas possam nos ver ao vivo.

Muito obrigado pela atenção, Coluna Blues Rock! Gostaria de encerrar com o meu lema:

"Laying it deep, playing for keeps.

Live long, party strong".

Valeu!


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