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Entrevista Tom Rush


Jazz? Miles Davis! Blues? BB King! Folk? Bob Dylan. Perguntas simples, respostas clichês. Claro que todos os acima citados são gigantes em seus respectivos estilos, mas há vida criativa além desses nomes consagrados. E no folk um nome pouco lembrado é, justamente, um dos expoentes daquela maravilhosa gama de artistas sessentistas do nordeste norte-americano: Tom Rush.

Natural do estado de New Hampshire e Graduado em Literatura Inglesa, Tom é uma enciclopédia da cultura popular anglo-saxônica. "Adorava as baladas escocesas - elas personificaram histórias tão grandes, e eu adoro histórias!", HISTÓRIAS ele enfatiza. E ele tem muito o que contar. Foi um dos criadores da cena folk em Boston, viu e tocou com lendas do blues, participou do Festival Express, gravou em estúdios improváveis, dividiu o palco com a lenda Pete Seeger, é venerado por James Taylor e ainda é creditado como o descobridor de uma tal Joni Mitchell. Tom Rush é a história viva da música de língua inglesa. Uma entrevista especial que para sempre marcará esse humilde site e seu editor série B da resenha musical.

Ugo Medeiros - Você viu e participou daquele revival do folk no início dos anos 1960. Você poderia falar sobre aquela cena, os artistas e a produção cultural?


Tom Rush - Eu fazia parte da cena de Boston, que era bastante diferente da cena de Nova York. Em Boston, as pessoas estavam tocando principalmente porque amavam a música - eu fui um dos poucos que se tornaram um profissional. Na cena de Nova York todos queriam uma carreira, ir para a estrada, obter um contrato com gravadora (embora eles também amassem a música). Uma das coisas mais legais sobre a cena em Boston, e especialmente Cambridge (um subúrbio de Boston) era que um clube em particular - o Club 47 - fazia questão de trazer os lendários cantores e instrumentistas que todos adorávamos. E eles vieram de todos os estilos: bluegrass, blues, cowboy music, Irish/Scottish ballad singers. Era tão excitante estar na mesma sala, pequena, com essas pessoas, conversar com elas e, às vezes, tocar com elas. Foi um momento muito emocionante!


UM - Você é graduado em Literatura Americana, algo intimamente ligado à música folk. Como influenciou/ajudou na sua música?


TR - Na verdade, estudei literatura inglesa em Harvard, e isso não incluiu autores americanos, de forma alguma! Mas eu aproveitei todos os cursos que eu poderia fazer e tivesse algo com a música tradicional e a narração de histórias. Penso que, no entanto, o que mais ajudou foi estar em Cambridge e ser parte daquela cena musical.

UM - Falando em literatura, você tocou muitas canções do norte do Reino Unido, especialmente da Escócia. Você poderia falar sobre esse intercâmbio cultural, a origem em si dessas canções? Pergunto isso porque para a maioria dos brasileiros a tradição escocesa resume-se a Coração Valente do Mel Gibson...


TR - Adorava as baladas escocesas - elas personificaram histórias tão grandes, e eu adoro histórias! A coisa sobre as canções tradicionais, aquelas transmitidas de geração em geração em uma população que não conseguia ler ou escrever, era que qualquer verso ou frase que fosse o mais memorável fosse lembrado. O resto seria substituído por outra coisa pela próxima geração até que, ao longo do tempo, a música inteira fosse memorável. E com essas músicas não havia uma versão "certa". Barb'ry Allen existe em tantas versões diferentes quanto há cantores, e nenhuma delas é mais "correta" do que as outras.


UM - Um dos episódios mais marcantes na história da música foi quando o Bob Dylan tocou com uma guitarra elétrica no Newport Folk Festival em 1965. Você poderia falar sobre aquele marco? Qual foi a sua reação naquela época? Digo, você encarou aquilo naturalmente ou, sendo um "purista", ficou assustado?


TR - Eu não estava lá, mas ouvi o tumulto. A parte estranha, para mim, é que eu tinha acabado de lançar um LP que tinha folks tradicionais de um lado e coisas de rock elétrico no outro, e ninguém parecia se opor. Talvez esperassem uma pureza de Bob, mas sabiam melhor quando se tratava de mim.


UM - Por falar em Dylan, você acha que Dylanmania ofuscou a sua carreira? Claro, Dylan era/é fantástico, mas coloco a sua música no mesmo nível da dele...

TR - Um artista não recebe (nem toca) para se preocupar sobre como essa ou aquela pessoa conseguiu ser mais famosa do que você. Há tantos ingredientes que estão sendo comercialmente bem sucedidos que é difícil saber como funciona a fórmula, ou se existe uma fórmula. Conheço algumas pessoas deslumbrantemente talentosas que ninguém ouviu falar e, por outro lado, há artistas realmente proeminentes que são, na minha opinião, deficientes. Bob tem enorme talento e merece todo o reconhecimento que obteve.


UM - Na sua opinião, quem foi o compositor/cantor de folk nos EUA, Peter Seeger ou Woody Guthrie? Você poderia falar um pouco sobre cada um?


Eu acho que ambos são importantes. Desculpe, mas essa é uma escolha impossível. Guthrie escreveu milhares e milhares de músicas em sua vida, e a maioria era muito ruim - mas algumas eram além do brilhante. Um dos meus arrependimentos é que eu nunca conheci o homem. A minha compreensão é que ele tem uma espécie de condição neurológica que tornou impossível para ele NÃO vomitar 5 ou 6 ou 12 músicas por dia, e algumas delas mudaram o mundo.

Pete (eu não o conhecia bem, mas conheci ele em algumas ocasiões e trabalhei com ele um pouco mais) foi um incansável defensor das causas em que ele acreditava e, aos meus olhos, era essa devoção obstinada e vontade de se colocar lá fora na linha de frente que atraiu pessoas para ele. Ele também escreveu algumas músicas muito, muito boas que ajudaram a comunicar sua ideologia em um nível emocional. Você provavelmente sabe disso, mas nossos cérebros processam lógica e emoções de forma muito diferente, e a música entra pela porta emocional - então é possível comunicar idéias dessa forma que nunca funcionariam em um discurso ou em uma planilha.

UM - No início da sua carreira você teve um mentor, um músico que te ajudou a entrar no mundo do music business?


TR - Na verdade, não. Eu tive vários ídolos na música (Eric Von Schmidt, da cena de Cambridge, era o meu favorito), mas não consigo pensar em nenhum mentor. Eu tive que descobrir, o que eu consegui descobrir, sozinho. Ainda estou trabalhando nisso.


UM - A primeira vez que eu te vi foi através do DVD Festival Express, interpretando The child's song. Que canção linda! Você poderia falar sobre a música e o festival? A parte mais bacana do festival era ver como bandas de diferentes estilos influenciavam e trocavam "informações" durante as jams no trem...


TR - A música foi escrita por Murray McLaughlin, um amigo canadense. Murray tornou-se extremamente popular no Canadá, mas nunca nos Estados Unidos, então ele nunca veio para cá. Ele me ensinou, e demorou cerca de 6 meses para "endurecer" o suficiente para que eu pudesse cantar sem ir às lágrimas no meio da música. Assim, quando eu cantava todas as crianças chorariam. Eu ainda faço isso no palco, mas agora todas as mães choram, e alguns dos pais. O Festival Express, o que me lembro, foi a melhor festa em que já estive. Havia tanta diversão no trem que os próprios concertos eram considerados interrupções indesejáveis.


UM - Os seus primeiros discos tinham muito de blues, mesmo não sendo um artista de blues. Junto com o revival do folk veio o revival do blues. Você poderia falar sobre o blues no início dos anos 1960, o resgate de diversos músicos que estavam esquecidos e o blues na sua vida?

TR - Eu sempre fiz muitos gêneros diferentes, o que confundiu o cara da loja de discos (lembra-se das lojas de discos?), que teve que decidir qual seção me colocar. Mas o blues sempre teve um lugar no meu coração. O Club 47, aquele café de Cambridge, fez questão de buscar e encontrar os antigos artistas, as lendas - e muitos deles eram os músicos de blues. Bukka White veio e tocou, Sleepy John Estes, Muddy Waters, Mississippi John Hurt e muitos outros naquela pequena sala, e a maioria era muito cordial para os jovens adoradores que queriam saber como eles tocavam essa corda ou aquele fraseado. Foi incrível poder conversar e brincar com essas pessoas que eram figuras tão místicas para nós.


UM - Os discos Got a Mind To Ramble e Blues Songs And Ballads (1963) foram gravados apenas com um basswash tub [N.E.: Um baixo caseiro construído a partir de uma bacia, um braço (podendo ser um cabo de vassoura) e uma corda] te acompanhando. Você poderia falar um pouco sobre os discos?


TR - Got a Mind to Ramble foi gravado em Boston no estúdio caseiro de um cara chamado Steve Fassett. Um microfone no meio da sala - se você queria que o washtub (bacia) fosse mais alto, você movia Fritz Richmond e seu instrumento mais perto do microfone. Era uma gravação mono (o estéreo ainda não havia sido inventado), nenhuma mesa de mixagem ou qualquer uma dessas coisas novas. O único fio do microfone corria pela escada até a cozinha, onde Steve estava sentado na frente do tape deck (aparelho de gravação), um Ampex 601, com um botão: "Volume". Não havia controle de tom, e se você quisesse um som mais limpo/brilhante, Steve viria e faria novamente o que desse. Funcionou muito bem! Blues, Songs & Ballads foi o próximo LP, e foi feito em um estúdio real, embora muito simples. Naquele momento eu fiz um acordo com a Elektra Records para mudar de gravadora, mas eu devia um novo álbum a Prestige. Paul Rothschild, o produtor, e eu editamos/cortamos Blues Songs & Ballads em uma semana e meu primeiro álbum para a Elektra na outra semana. O LP da Electra chegou às lojas antes do Prestige!


UM - Meu disco favorito, sem dúvida, é Tom Rush (1965). Que discaço! Diversas canções tradicionais, mais Do-Re-Mi de Woody Guthrie, Milk cow blues de Kokomo Arnold, Panama limited de Bukka White. Você poderia falar sobre essa gravação?


TR - Na verdade, esse é o álbum pela Elektra mencionado acima. Para este projeto, adicionamos alguns músicos muito talentosos - John Sebastian na gaita (ele recentemente me disse que a sessão foi sua segunda apresentação paga), Al Kooper nos teclados, John Herald na guitarra e bandolim. O curioso é que Herald também foi creditado como "Daddy Bones" porque se um músico tocasse dois instrumentos, o sindicato obrigava a pagar duas vezes, então todos trapaceavam. Havia um boato de que "Daddy Bones era realmente Bob Dylan, e provavelmente não fiz tudo o que eu poderia para anular essa história". Não me lembro muito dessas sessões. Eu tinha uma febre de 39 graus e eu estava com a cabeça meio "desligada"!


UM - Em alguns discos, como The Circle Game, você toca músicas da Joni Mitchell e do James Taylor. Você poderia falar um pouco sobre eles? James Taylor o tem como um dos grande ídolos do folk/rock...


TR - Aparentemente James veio ver meus shows, gostou muito deles e disse que ele se modelou após me ver. Bom! Você não acha que eu deveria obter alguns royalties ou algo assim? Lembro-me de me sentar com James no chão de um escritório vazio na Elektra em Nova York, e ele cantando algumas músicas para mim em um gravador. Eu usei Something in the way she moves e Sunshine, sunshine. James estava a caminho da Inglaterra, onde se encontrou com o produtor Peter Asher (que disse que ouviu James em grande parte porque o Tom Rush havia gravado algumas de suas músicas e Peter aparentemente era fã). O resto é, como eles dizem, história.

Conheci Joni em uma casa de café em Detroit, Michigan, quando ela entrou e perguntou ao proprietário se ela poderia fazer um set de convidados para que eu pudesse ouvir algumas das músicas que ela acabara de escrever. Fiquei deslumbrado e incluí Tin angel, Urge for going e The circle game no álbum. Lembro-me de tentar obter um contrato de gravação para ela e ser recusado por várias gravadoras. Na Elektra, Jac Holzman, o chefe, disse que "soou demais como Judy Collins".

Jackson Browne estava tendo suas músicas gravadas pela Elektra, então eu o conheci através das fitas demo que estavam na gravadora e acabei pegando Shadow dream song. Fui creditado com "descobridor" desses artistas, mas o fato é que eu estava apenas procurando por boas músicas para gravar. Acho que as encontrei!


UM - A sua trajetória musical está ligada ao Club 47. Você pode contar a história desse lugar?

TR - O Club 47 começou como uma casa de jazz, mas então eles fizeram o movimento "fatal" de contratar uma jovem chamada Joan Baez para tocar lá, e logo houve filas pelo quarteirão. A partir daí o folk foi colocando o jazz para escanteio e o "47" se tornou o carro-chefe dos cafés em Boston. Lá era o único lugar, como mencionado acima, que fazia questão de encontrar as lendas populares e trazê-las para a cidade. A outra coisa muito importante sobre o Club 47 é que estava a apenas um quarteirão do meu dormitório, o que me levou à notas ruins, mas algumas experiências musicais maravilhosas!

Agora eu possuo o nome "Club 47", e organizo alguns shows de vez em quando que conta com artistas já estabelecidos (incluindo eu próprio), juntamente com alguns novos talentos brilhantes, como uma forma de apresentar os jovens a um público mais amplo. Eu sempre insisto que todos os meus convidados toquem e/ou cantem juntos até certo ponto, o que produz momentos realmente mágicos que só acontecem uma vez!


UM - Você é um grande compositor. Atualmente vemos canções de alguns artistas do pop escritas por doze (12) pessoas! E é sempre uma música apelativa, musicalmente pobre. O que você acha da atual cena musical?


TR - Obrigado pelas palavras gentis! Acho que a cena musical de hoje é muito boa - a Internet torna possível a qualquer pessoa encontrar acesso à uma audiência. Algumas décadas atrás, se você não tivesse um contrato com uma gravadora você não existiria, não havia outra maneira de se conectar com um público. Agora, qualquer criança com um laptop pode fazer música e colocá-la lá para ver se alguém está interessado. Tempo muito interessante! Por exemplo, atualmente estou tentando financiar um novo álbum (sim, eu ainda chamo uma coleção de canções de "álbum") através de uma plataforma de financiamento coletivo chamada PledgeMusic. Confira! Http://www.pledgemusic.com/projects/tomrush


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