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Entrevista Fabio Golfetti


"A arte feita com qualidade atravessa o tempo", Fabio Golfetti é certeiro. O guitarrista natural de São Paulo é o líder do Violeta de Outono, uma das bandas mais importantes do rock progressivo, e há trinta anos mistura o psicodélico com o pós-punk e o space rock. Criativo, inovador e convicto de que a música não é engessada, Fabio comenta sobre a identidade da banda e o preconceito em relação ao termo progressivo, "A banda tem duas fases distintas, o psicodélico pós-punk do trio original de 1987 e psicodélico-progressivo do quarteto de 2007. Vinte anos separam essas duas fases, mas a banda mantém a sua essência. Os anos 1970 definiram o rock como escutamos ainda hoje e eu não vejo esses estilos como datados".

Representante legítimo de um estilo rico, marcado por influências do erudito e frutos, digamos, inesperados, o guitarrista fundou um som que lhe é bastante peculiar e respeitado por estrangeiros. Um desses admiradores era Daevid Allen, fundador da banda GONG, verdadeira instituição do rock psicodélico que passou por diversas formações, encarnações e, tal qual um X-men, evoluções. Fã confesso de Pink Floyd & Syd Barrett, Fabio Golfetti e seu Violeta de Outono são um dos pilares da cena progressiva no Brasil, que sempre foi extremamente competente e respeitada mundo a fora.

Uma conversa didática sobre o rock progressivo e suas ramificações imprevisíveis. Leia, curta, compartilhe!


Ugo Medeiros - Você é 1960, logo, aos seus 15 anos o rock vivia o auge do rock progressivo, o glam rock e o início do punk. O Brasil sempre esteve bastante atrasado nas "tendências" daquela época. Você estava nesse tripé musical ou durante a adolescência teve um outro estilo mais forte?


Fabio Golfetti - Durante minha adolescência um primo mais velho me mostrou Led Zeppelin III e o Meddle do Pink Floyd e isso foi o suficiente para abrir meus horizontes, indo atrás de discos como Alice Cooper Schools Out, Deep Purple Machine Head, Led Zeppelin IV, Yes Album. Em seguida, na universidade comecei a buscar mais a fundo a origem desses sons e caí no psicodelismo, e voltei a ouvir Beatles também ao mesmo tempo que começava a montar bandas.


UM - Li em um site que você tem fascínio pelo Their Satanic Majesties Request do Stones. O quanto esse disco te marcou? Por quê?


FG - Na verdade os anos de 1966-1967 produziram uma revolução na música pop, Beatles com Revolver/Sgt Peppers, Soft Machine com Daevid Allen, Pink Floyd com Syd Barrett, Jimi Hendrix e tantos outros. O disco Their Satanic Majesties Request é também um marco na música psicodélica, duas músicas são bem emblemáticas, Citadel e 2000 light years from home. Não lembro do conteúdo dessa entrevista mas considero esse discos dos Stones tão importante quanto os outros do mesmo ano.


UM - Esse site tem uma proposta "didática" na música, passar o básico/fundamental do blues, rock, jazz. Afinal, o que é o rock progressivo? É a improvisação "viajante"? A influência da música clássica?


FG - O termo Rock Progressivo para mim tem duas interpretações. A primeira como uma música que progride e se desenvolve como a música erudita cheia de estruturas convenções. A segunda, por outro lado, uma música progressista, aberta às experimentações e mistura de estilos e culturas. Por exemplo, o rock progressivo na Itália inclui a música folk italiana, no Brasil o Terço incluiu a música caipira. Eu prefiro essa segunda interpretação, que é a que mantém o rock progressivo mais vivo, que hoje está mais próximo do jazz e música instrumental.


UM - Há quem diga que o fusion do Miles Davis elétrico ou o Mahavishnu Orchestra do John McLaughlin, de certa forma, era uma forma de progressivo. Voce concorda? Por quê?


FG - Sim, essa fusão para mim é a essência de liberdade do rock progressivo, neste caso mais jazz-rock. Já bandas como Soft Machine caminharam para uma fusão de rock com influências de jazz. Para mim o disco Bitches Brew do Miles vem depois do Soft Machine, que no início de carreira já misturava jazz/free jazz com rock, levando a idéia para um público pop.


UM - Já fui um viciado em progressivo, hoje em dia nem tanto apesar de ainda escutar algumas bandas. Sempre vi o Pink Floyd e o King Crimson como os dois grandes diferenciais nesse estilo. Você acha que o progressivo tem alguma outra banda como pilar? O quanto essas duas bandas (re)definiram o progressivo?


FG - Várias bandas que surgiram no final dos anos 1960 e evoluíram para o progressivo criaram as bases do rock que se solidificou como clássico. Pink Floyd numa vertente de rock espacial, Soft Machine no rock-jazz, logo depois vieram Emerson Lake & Palmer e “o espírito do Hendrix” nos teclados, Yes com músicos virtuosos, Genesis e o teatro de Peter Gabriel, Gentle Giant misturando música barroca, Van Der Graaf Generator com as letras complexas e existenciais do Peter Hammill.

Pink Floyd ocupa uma posição mais abrangente pois é mais pop e manteve um pouco da raiz psicodélica, teve sua fase experimental até 1971 e depois deu um salto em direção ao caminho mais universal. Já o King Crimson se destacou com o progressivo mais atonal e estranho, mas ao mesmo tempo com apelo “comercial”.


UM - Gosto bastante também do Krautrock alemão. No auge de bandas como Can, Neu!, Faust, Popol Vuh, etc. a crítica inglesa os taxava como progressivo. Forçação de barra ou de fato eram bandas com elementos progressivos?


FG - Acho que todas essas bandas têm elementos progressivos, mas o que mais me chama atenção é a influência que a fase experimental do Pink Floyd teve na Alemanha, várias dessas bandas tinham a sonoridade e experimentalismo do Ummagumma, por exemplo. Acho que também o fato de que a Alemanha foi pioneira no uso de sintetizadores e instrumentos eletrônicos favoreceu o surgimento dessas bandas.


UM - Como foi a formação do Violeta de Outono? Você e o Cláudio Souza vinham de outra banda, certo?


FG - Sim, o Claudio e eu tocávamos no Zero, uma banda que teve a origem justamente no rock-jazz com influência art-rock pós-punk dos anos 1980. Era um som complexo e decidimos sair para formar o Violeta de Outono, com a ideia de soar mais simples e reproduzir o caminho das bandas dos anos 1960 que começaram simples e foram se sofisticando na medida que aprendiam a tocar.


UM - O Brasil, assim como a Itália, tem uma forte tradição no rock progressivo, bandas realmente muito boas. Acho que em alguns momentos os discos só não eram melhores pela dificuldade em ter melhores instrumentos e material de som (país de mercado extremamente fechado naquela época)...


FG - Talvez, mas mesmo assim alguns discos de rock como Tudo Foi Feito Pelo Sol dos Mutantes, Snegs do Som Nosso de Cada Dia e Criaturas da Noite do Terço têm um som bom. Eu acredito que a limitação técnica cria a possibilidade de desenvolver um estilo próprio e original, mesmo naquele período existe uma infinidade de bons discos, onde o conceito supera a qualidade sonora.


UM - Por falar em países com tradição no progressivo, por que voce acha que os EUA não tiveram uma cena mais forte? Digo, bandas que batessem de frente com as bandas inglesas?


FG - Não tenho uma certeza sobre isso, mas acredito que o fato dos EUA serem um país grande e produzir uma música local bem estruturada impediu um pouco a entrada de bandas estrangeiras. Uma das características do rock progressivo vinha principalmente da música erudita (européia) e a música experimental (também forte na Europa). Por outro lado bandas inglesas que conquistaram o EUA como Pink Floyd e Led Zeppelin se tornaram as maiores do mundo, muito pela força das gravadoras americanas.


UM - Quais os discos fundamentais na sua vida? Independente de progressivo ou não…


FG - Tenho vários, mas citando alguns principais que sempre estão nas minhas listas:

Soft Machine - Third

Gong - Camembert Electrique

Van der Graaf Generator - Pawn Hearts

Kevin Ayers - Joy of a Toy

Pink Floyd - The Piper at the Gates of Dawn

Led Zeppelin - Houses of the Holy

Beatles - Revolver

King Crimson - Larks Tongues in Aspic

Robert Wyatt - Rock Bottom

Emerson Lake & Palmer - Brain Salad Surgery

Echo & the Bunnymen - Porcupine

Kula Shaker - K

Sun Ra - Cosmos

Milton Nascimento & Lô Borges - Clube da Esquina

Daevid Allen - Now is the Happiest Time of your Life

Terje Rypdal - Descendre

Mutantes - Tudo Foi Feito Pelo Sol

Ash Ra Tempel - Ash Ra Tempel

Syd Barrett - Madcap Laughs

O Terço - Criaturas da Noite

Yes - Close to the Edge


UM - Vocês chegaram a gravar um DVD tributo a Pink Floyd e Syd Barrett. Sempre achei o Barrett o Bob Dylan inglês que tomava muito ácido (rs). Como nasceu esse projeto?


FG - Syd Barrett & The Pink Floyd (1966-1967) sempre foi uma das minhas maiores influências e também da banda. Quando reformulamos o Violeta de Outono no formato de quarteto por volta de 2005 a banda passou por um novo começo e para “aquecer” resgatamos esse trabalho do Pink Floyd. Acredito que tocar algo que você admira e se inspira, ajuda a formar um conceito para trilhar o caminho próprio. Decidimos colocar esse show na estrada e fizemos durante seis meses até quando veio a notícia do falecimento do Syd, então decidimos encerrar.


UM - Como surgiu o convite de tocar com o Gong ao lado de Daevid Allen?


FG - Tive contato com o daevid desde o início dos anos 1980, através do GAS (Gong Appreciation Society) quando ele havia retornado para Austrália. No final dos anos 1980 ele voltou para UK para desenvolver alguns workshops utilizando a música como veículo, e fui convidado. Em 1992 eu o convidei para vir ao Brasil na ECO-92 e a partir daí ficamos em contato até 2006 quando ele me chamou para integrar a Glissando Guitar Orchestra que iria se apresentar no Gong Un-Convention em Amsterdam. No ano seguinte formamos o Gong Global Family para algumas apresentações no Brasil e em 2011 eu integrei definitivamente o Gong na sua última formação com o daevid, quando fizemos uma extensa tour na Europa, Reino Unido e Japão. Nessa turnê gravamos o álbum I See You.


UM - Falam muito que o progressivo é um estilo "datado", mas gosto muito dos últimos discos da banda, sobretudo Espectro e Spaces. Voce poderia falar um pouco sobre esses dois discos?


FG - Espectro e Spaces fazem parte de uma trilogia que começou com o Volume 7. Na verdade, não havia sido planejada como trilogia, mas ao longo dos últimos dez anos percebemos que essa fase atual era como uma nova banda, distante dos primórdios do Violeta de Outono. Isso aconteceu com bandas como o Soft Machine, Pink Floyd ou King Crimson, guardada as devidas proporções, que trocaram integrantes e foram evoluindo/criando sons completamente diferentes do início de carreira. Quando o trio original (Fabio Golfetti, Angelo Pastorello e Claudio Souza) se desfez por volta de 2004 a banda recrutou o baixista Gabriel Costa e o tecladista Fernando Cardoso para continuar, porém buscando um novo som. Gravamos o álbum Volume 7, um marco para o som do Violeta de Outono, igual ao primeiro disco de 1987. Posteriormente o baterista José Luiz Dinola (ex-Chave do Sol) se juntou à banda e a nova fase se solidificou com os álbuns Espectro e recentemente o Spaces que considero um álbum conceitual, composto desde o primeiro ao último acorde. A banda tem duas fases distintas, o psicodélico pós-punk do trio original de 1987 e psicodélico-progressivo do quarteto de 2007. Vinte anos separam essas duas fases, mas a banda mantém a sua essência.

Os anos 1970 definiram o rock como escutamos ainda hoje e eu não vejo esses estilos como datados. Com certeza sub-gêneros surgem a cada nova tendência, mas acredito que isso não significa ser melhor ou pior, a arte feita com qualidade atravessa o tempo.

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