Entrevista Eric Burdon
Essa é uma daquelas entrevistas históricas, afinal bater um papo com um mito do rock não é algo que aconteça todo dia. O cara fundou o The Animals, conviveu com bandas como Rolling Stones e The Experienced. Cantou do R&B ao funk e é dono de uma das vozes mais versáteis do rock. Senhoras e senhores, tenho a honra de apresentar, Mr. Eric Burdon! Ugo Medeiros - Você nasceu durante a Segunda Guerra Mundial, em Newcastle. Você lembra da música daquela época? Ao menos, alguma que tenha te marcado?
Eric Burdon - Eu me lembro de algumas canções, sim. We'll meet again, da Vera Lynn, e You belong to me, da Jo Stafford. Canções de amor que aqueciam os corações dos combatentes espalhados por todo o mundo, tudo isso através das ondas de rádio. Essas composições estarão sempre no meu DNA. Depois, já durante a minha juventude, escutei Shame shame, de Smiley Lewis, no filme Baby Doll. Naquele momento descobri que a minha vida seria toda ela com a música, ela me iluminou. Recentemente, escrevi uma música chamada Wait, em que tento dar o "sabor" daquelas gravações.
UM - Claramente, você tem influência do R&B e soul. Antes do nascimento e boom do rock, esses eram os estilos que você mais escutava? Você poderia falar um pouco das bandas que mais te marcaram?
EB - Jazz, R&B e blues puro foram os estilos que me deram uma "porrada" desde o princípio. O rock veio depois, como uma extensão óbvia desses estilos. Ray Charles, Big Joe Turner, Smiley Lewis, Fats Domino, Chuck Berry, e a lista segue...
UM - Você viu o rock nascer no Reino Unido. De fato, tudo começou com Elvis? Você poderia descrever aquela explosão cultural? Digo, você e seus amigos, como jovens ingleses, como reagiram?
EB - Muitos artistas americanos, como John Lee Hooker e Muddy Waters, estavam sem trabalho nos EUA. Portanto, eles vieram para a Europa e foram recebidos de braços abertos pelos inúmeros fãs. Eles se tornaram a trilha sonora das nossas vidas.
UM - Eu já escutei do John Mayall que Londres tinha uma cena de ska jamaicano muito forte e influente durante os anos 1960...
EB - Sim, e o blues acontecia ao mesmo tempo. O Reino Unido é uma ilha com uma grande população, faziam-se vários estilos ainda desconhecidos nos EUA. Dentre esses estilos, o Skiffle, do qual saíram os Beatles. A Inglaterra era um grande caldeirão, uma "mistureba", e muitas pessoas não têm essa noção.
UM - Quem teve a ideia de gravar House of the rising sun? Como foi o clima durante as gravações?
EB - Fui eu, pois já estava familiarizado com a canção através de gravações folk, na minha cidade natal. Lembro perfeitamente de escutá-la em pubs e clubes locais. Quando escutei a versão de Bob Dylan, fiquei ainda mais atraído pela canção e procurei uma desculpa para incluí-la no nosso repertório. Durante uma turnê que abríamos para o Chuck Berry, queríamos uma canção que não soasse como o resto do repertório, algo para "encantar" o público. Tocamos durante um show e vimos a reação do público. Foi incrível!
UM - Chas Chandler (baixista do The Animals) deixaria a banda para produzir o Jimi Hendrix. Você teve um maior contato com o Hendrix? Você se lembra da primeira vez que o viu em ação? Você também poderia falar um pouco sobre o Chas Chandler?
EB - Sinceramente, estou escrevendo minhas últimas recordações sobre o Hendrix em meu novo livro. Fui indagado sobre isso tantas vezes que decidi colocar o tema para "descansar". Deixem o homem descansar em paz!
UM - Uma vez que você estourou no Reino Unido, foi para os EUA, país de praias e clima um pouco mais quente. Isso afetou a sua música, não? Entrar na banda War foi uma consequência natural? A banda era simplesmente MARAVILHOSA e ainda dava um "tapa na cara" do racismo...
EB - Na verdade, eu já tinha ido aos EUA anos antes de ingressar no War. Toda aquela cena de São Francisco... e viver em Laurel Canyon foi mágico! Mas toda aquela questão do racismo nas ruas estava apenas se aquecendo. Eu encontrei a banda que representava a demografia de Los Angeles em seu microcosmo.
UM - Você é uma das vozes mais versáteis do rock. Os The Animals tocavam rock, blues e um pouco de psicodélico. O War era soul e funk ácido. Na sua carreira solo, você tocou com músicos de diferentes estilos. A sua carreira solo é, de fato, uma síntese de tanta influência boa?
EB - Acho que sim, todos esses estilos, mais um pouco de jazz e gospel, são os que eu amo. Eles sempre estiveram em mim, mas em momentos diferentes. Obrigado pelo elogio!
UM - Você é de uma geração de bandas fantásticas: Rolling Stones, Yardbirds, Beach Boys, Family, etc. Cada uma com um som próprio, sua peculiaridade...
EB - Como te falei, no começo, todos nós fazíamos gigs (pequenas apresentações) nas nossas cidades natais. Não havia rivalidade. Os Beatles quebraram a barreira do Oceano Atlântico e nós seguimos o exemplo deles, entretanto NUNCA nos vimos como parte de uma "invasão britânica"! Éramos todos amigos unidos pelo amor à música negra americana. Claro, todas as bandas tinham um som próprio, e adorávamos o som dos outros.
UM - Sei que é uma pergunta cruel, mas meu amigo Francisco Antunes pediu para perguntar os cinco discos que mais te marcaram.
EB - Recentemente me perguntaram qual é o meu disco favorito e eu respondi Genious+Soul+Jazz, Ray Charles. Apenas cinco discos é bem difícil, mas eu diria: James Brown Live at the Apollo, Are You Experienced? do Hendrix, The Inflated Tear do Rahsaan Roland Kirk. Eu gosto demais dos discos do Bob Dylan e do Neil Young. E, também, do meio da carreira dos Beatles, entre Revolver e Sgt. Pepper.
UM - Você acha curioso o fato do rock ter nascido nos EUA, mas logo as bandas inglesas terem dominado a antiga colônia (risos)?
EB - O rock and roll foi "punido" nos EUA a ponto dos seus melhores músicos serem "expulsos". Muitos vieram para os EUA ganhar a vida com a juventude inglesa, havia uma multidão de fãs realmente apaixonados por aquela música.
UM - Você em diferentes formações, com muita gente boa. Qual mais te marcou? Se você pudesse escalar integrantes para uma superbanda, qual seria a formação?
EB - Sinceramente, não gosto dessa coisa de superbandas, não acredito nisso. O grande desafio da música é fazer algo sempre bom, novo e diferente. Eu amo sempre a banda que toco agora.
UM - Recentemente você gravou 'Til Your River Runs Dry...
EB - Sim, esse disco é o resultado de eu ter alcançado os 70 anos, de tudo pelo que passei na vida e o mundo ao meu entorno, pelas perdas e coisas que eu sou grato.
UM - Você esteve em Monterey, em 1967. Você poderia falar um pouco sobre aquele festival que marcou o nascimento de uma geração?
EB - Foi como um grande sonho psicodélico. Nós todos fomos "abraçados" por aquele momento, acreditando que realmente mudaríamos o mundo com amor e rock and roll. De fato, foi o nascimento de uma geração, mas o último suspiro de inocência antes que as coisas ficassem bem sérias e perigosas. Dois anos depois, o Festival de Altamont. Se Monterey foi o nascimento, Altamont foi o grito de desesperado por socorro. Não foi apenas o concerto em sim, mas a guerra, os assassinatos de Bobby Kennedy e Martin Luther King, Charles Manson, etc. A coisa ficou escura.