Entrevista Jimmy D. Lane
Entrevista histórica. E não é exagero! O cara é filho do lendário Jimmy Rodgers, escudeiro fiel de Muddy Waters, Howlin' Wolf e outros dinossauros, e tocou com Eric Clapton, Lowell Fulson, BB King, e a lista continua. Começou a tocar por causa do Jimi Hendrix, e essa pegada pesada bem rock'n'roll garantiu um lugar no Chicago Blues Hall of Fame. Entendeu? Se você gosta de blues, um relato de quem é do meio!
Ugo Medeiros - O Blues sempre esteve no seu DNA, você é filho do lendário Jimmy Rodgers. Como foi crescer tendo o blues constantemente ao lado seu? Tipo, era normal gente como Muddy Waters, Howlin' Wolf e Outros na sua casa? Naquela época você escutava mais blues acústico ou elétrico?
Jimmy D. Lane - Eles nos visitavam bastante, mas, sinceramente, eu não tinha ideia quem eles eram, eu era apenas uma criança. Só fui me dar conta bem depois. Eles faziam muitas jams, Wolf, Buddy Guy, Junior Wells e Outros apareciam. Eles variavam, algumas vezes tocavam acústico, outras vezes elétrico.
UM - Qual a maior lição passada seu pai?
JDL - Ser sincero comigo mesmo e sentir, de verdade, a música. Se não sentir, não o faça. Ser íntegro, estar certo, fazer direito. Sobre música, Quando vivo, ele nunca me deu "aulas". Claro, eu sempre o via tocar, sempre escutava o máximo possível. Eu tentava assimilar ao máximo, adaptando à minha forma.
UM - Seu pai deve ter contado muitas estórias. Você poderia contar alguma que tenha te marcado?
JDL - Sim, ele me contou muita coisa que aconteceu nos anos 1950 com ele próprio, Muddy Waters... São todas estórias engraçadas, mas nenhuma que tenha me marcado tanto.
UM - Você tocou com muita gente boa, como Eric Clapton, BB King e Lowell Fulson. Você poderia falar sobre essas parcerias? Qual delas mais te marcou?
JDL - Eu tive a honra de tocar com esses caras que você mencionou. Foi muito legal tocar com o Eric Clapton, Lowell Fulson, Jimmy Page, Johnnie Johnson e Outros. Eu admiro e respeito todos, sempre ouço e observo como Clapton ou Fulson tocam, estudei demais o Johnnie Johnson. Na verdade, escutei muitos estilos e músicos para buscar ideias para a minha forma de tocar a guitarra. Todos esses caras gravaram com o meu pai, mas acho que eu poderia dizer que o Clapton me marcou mais. Adorei gravar com todos, mas desde que eu decidi tocar guitarra escutava o que ele e Hendrix faziam. Cresci numa casa rodeada de blues, mas foi essa dupla que me fez despertar. O Clapton perde apenas para o meu pai. E, claro, Hendrix.
UM - Você nasceu em Chicago. Poucos sabem, mas a cidade tem muita tradição na soul music. O soul também te influenciou? Quais bandas você mais escutava?
JDL - Houve um grande boom do soul em Chicago. Vieram uns caras novos e a Chess [NE: gravadora de blues mais importante da História] misturou com o blues. Muita gente não sabe, mas no início Maurice White, antes integrar o Earth Wind & Fire, era produtor na Chess. Podemos dizer que a Chess ajudou no nascimento do Earth Wind & Fogo. Claro, gosto muito de soul, seja das gravadoras de Chicago ou de outros de lugares, como Motown (Detroit), gravadoras de Memphis ou Muscle Shoals (Alabama). Mas o blues sempre foi a minha maior influência.
UM - Eu tenho o seu disco It's Time, encontrei em uma pequena loja aqui no Rio de Janeiro, é um disco bem pesado. Essa pegada pesada é a sua marca ou foi pela presença do Double Trouble [NE: Chris Layton (bateria) e Tommy Shannon (Baixo), dupla que acompanhava Stevie Ray Vaughan]?
JDL - De fato, toco um blues bem rock. Eu não diria que foi Influência do Double Trouble. Eu comecei a tocar por causa do Jimi Hendrix, Clapton e aquele som dos anos 1960. Eu posso tocar acústico, como Honeyboy Edwards, Jimmie Lee Robinson e outros caras que ajudei produzir na APO Records. Eu posso tocar blues acústico (delta blues), eu gosto, mas a minha vida é o elétrico, eu gosto do blues-rock.
UM - Você já falou que começou graças ao Jimi Hendrix. É verdade que foi após escutar Hey Joe nenhuma rádio? Quantos anos você tinha? Você poderia falar um pouco sobre o Hendrix na sua vida?
JDL - Bem, eu fui pro Exército porque o juiz me mandou, me meti em encrenca (risos). Eu não tinha terminado o ensino médio. Tinha acabado de voltar do Exército, tinha uns 21 anos, já tinha escutado Angel há um tempo, mas ainda estava decidindo o que fazer da minha vida. Coloquei meus fones e fui escutar musica, pensar nas coisas. Foi quando escutei Hey Joe , como nunca havia escutado. Eu tinha 63 dólares e fui à uma casa de penhor, aquela mesma onde foi gravada uma sequência do Ray Charles no filme Blues Brothers. Comprei uma guitarra, na verdade paguei 59 dólares! Aquela música me tocou, ela me levou a comprar minha primeira guitarra. Ele foi muito importante, como ele tocava, principalmente, como ele NÃO tocava! Os vocais, as letras... Sim, é uma estória verdadeira!
UM - No início você não tocava com Stratocaster. Como foi essa transição? Modificou o seu som?
JDL - Na Verdade, eu sempre fui um cara de Stratocaster. Eu até gosto de Gibson, mas prefiro uma Stratocaster. Nunca cogitei largá-la por outras guitarras.
UM - Você foi indicado ao Blues Hall of Fame, fato para poucos. Seu pai sentiria Muito Orgulho.
JDL - Eu fiquei muito honrado e orgulhoso! Eu sou muito grato. Tenho certeza que ele está muito orgulhoso. Tento fazer como ele me ensinou, com muita sinceridade, da forma correta. Eu sinto que ele está olhando e espero que eu esteja deixando-o muito orgulhoso (risos). Assim como a minha mãe.
UM - Quais os discos de blues mais importantes na sua vida?
JDL - Acho que Jimmy Rushing Goin' to Chicago; as gravações de Muddy Waters e Little Walter na Chess; TUDO do Hendrix e Disraeli Gears do Cream; Anthology do Skip James, tudo do Hownlin 'Wolf (com o Hubert Sumlin) e Albert King. Tudo desses caras, foi muito importante para mim.
UM - Quais os covers que nunca podem faltar nas suas apresentações?
JDL - Depende muito do público (risos), às vezes tem gente que prefere blues lentos, outras vezes algo mais agitado e ainda tem dias que faço uma mistura. Eu não tenho um setlist padrão, tento ser bem flexível.
UM - Atualmente o hip-hop lidera a indústria musical. Você acha possível que o americano pode esquecer o blues em alguns anos?
JDL - Não acho que vão esquecer, mas acredito que ele vai se transformar em algo diferente. Eu não sinto/faço o blues como o meu pai, Buddy Guy ou Robert Johnson, pois aqueles caras tinham vidas bem diferentes. Eu nunca colhi Algodão, portanto não sei o que era ter alguém me vigiando. Eles sabiam disso. Eu tinha um emprego, mas nada como o deles. As pessoas das novas gerações não sabem o que era aquele sentimento, nem eu. Sempre ouviremos o blues e aquelas interpretações, mas tocaremos/sentiremos diferente. E sobre o hip-hop, respeito como música, mas é um outro sentimento. Então, não, não acho que a América vá esquecer o blues.
UM - Eu me interesso bastante por História. O seu pai nasceu no Mississippi. Ele te contou como era viver naqueles tempos de forte racismo, 1950, 1960? Você enxerga a música como grande arma anti-racismo?
JDL - Com certeza, a música é uma das maiores ferramentas pois é através dela que você pode verbalizar de formas Diferentes, ideias diferentes. É um veículo importante.
UM - Um dos grandes discos da história do blues foi Jimmy Rodgers All-Stars. Você produziu? Aqui no Brasil fez muito Sucesso...
JDL - Eu não produzi, mas fiquei muito feliz de ter participado. Me diverti demais, todos os músicos que participaram. O meu pai adorou tocar com Clapton, Jimmy Page, Robert Plant, Taj Mahal, Lowell Fulson, Johnnie Johnson, Carey Bell, etc. Gravamos muita coisa boa que infelizmente ficou de fora, inclusive com o Rolling Stones.
Alguns vídeos desse bluesman boa praça!