Entrevista Nuno Mindelis
Ele nasceu em Angola, passou uns anos no Canadá e atualmente mora no Brasil, mas fala como poucos (e sem sotaques!) o misterioso e difícil idioma do blues. Já gravou com o lendário Double Trouble e tocou nos maiores festivais internacionais. Nuno é hoje um dos maiores nomes do blues, aclamado pelo público e mídia especializada. Ugo Medeiros - Você começou escutando bluesmen que se destacavam por uma pegada mais swingada, né? Poderia falar um pouco deles e a influência na sua música? Nuno Mindelis - Eu ouvi o boom de blues original, dos anos 60. Eram os ingleses (Clapton, Jimmy Page, Alex Korner, Mayall etc.) apontando o dedo para os lendários, como Muddy Waters, Howling Wolf , Little Walter, etc. Assim, eu ouvia a corrente inglesa e o blues original americano. Depois o negócio recrudesceu na eletricidade e eu ouvi o que todo o jovem naquela época ouviu, todas aquelas bandas do Woodstock, Hendrix, Johnny Winter , Rory Gallagher, Santana , Creedence Clearwater, etc. UM - Antes de vir para o Brasil você viveu no Canadá. Além do blues, que já estava no seu DNA, você sofreu influência de artistas com uma pegada mais folk (marca característica do Canadá)? NM - Essa coisa folk e soul eu peguei junto com o blues, isso é uma coisa só, na verdade. Eu ouvia Willie Dixon ou Big Bill Broonzie, daí trocava o disco e colocava Frank Zappa ou Otis Redding. Depois tirava e colocava Bob Dylan e Neil Young e Booker T & the Mgs, etc. Era assim, não era essa coisa de uma coisa só. O blues nunca foi uma entidade estanque para mim (nem para ninguém daquela época). O Pop mundial é blues, até hoje, se você reparar. Tudo é blues, exceto o regional e a música clássica, se repararmos bem. O blues está no DNA da música do planeta todo, no Jazz, no Soul, no Folk, no Rock, até no Reggae. Moby é blues com eletrônica, por exemplo. E assim vai. UM - Em 1994 a Guitar Player americana escreveu sobre você. Como foi? Nessa época você já tinha uma carreira internacional consolidada? NM - Houve um artigo , pequeno, (não me lembro se foi 94) que o editor da Revista fez. Como se tratava de Jas Obrecht, um catedrático em blues, e editor da Bíblia mundial da guitarra, eu fiquei especialmente feliz. UM - Em 1995, um disco com a cozinha incrível do Stevie Ray Vaughan (o que repetiria novamente em 2000). Como vocês se conheceram? Como foi essa gravação? NM - Havia o projeto de eu gravar para a Antone's, a gravadora lendária de Austin (Texas). O produtor (Eddie Stout) me pediu um demo para saber que tipo de coisa eu iria gravar, para ele saber que direção seria, tipo Chicago Blues, Blues-Rock, essas coisas. Assim ele saberia quem chamar para o disco, se músicos negros de blues, se brancos endiabrados do rock, esse tipo de coisa. Eu mandei em cassete um rascunho caseiro de músicas que eu planejava fazer. Gravei tudo: baixo, batera, gaita, etc., num estúdio básico que tinha montado na garagem da minha casa. O Tommy Shannon passou na Antone's e o cassete estava rolando. Aí ele perguntou quem era e o Eddie explicou. Foi quando o Eddie arriscou em tom de brincadeira "quer gravar nesse disco?”. O Tommy disse que sim e o Eddie me ligou super entusiasmado: "Nuno , Double Trouble vai fazer uma ou duas faixas no seu disco". Depois, acabamos fazendo o disco todo. UM - Ano passado te vi em Rio das Ostras. Era um Chicago com bastante peso... NM - É, ultimamente ando enxertando algo Chicago no meio do show. Aliás, praticamente não tenho escutado blues, e quando ouço é só o original de Chicago mesmo, Muddy, Elmore James, Howling Wolf, John Lee Hooker. Acho o blues contemporâneo uma repetição de fórmula que chegou à exaustão. Ou imitam SRV, ou fazem aquele arroz com feijão de Chicago. Tudo muito bem feito, perfeito tecnicamente, os caras incendeiam, mas aí sinto falta da verdade. Aqueles caras dos anos 60 tinham algo que fazia a diferença, que era a originalidade. E essa originalidade vinha dos campos de algodão mesmo, do contexto, do aprender no grito primal. Hoje, os filhos e netos deles aprendem nos discos. É diferente. UM - Você costuma usar Stratocaster, né? Qual o seu set de guitarras para shows e estúdio? NM - Nem sempre. Calhou de você me ver com uma. Até um pouco antes de Rio das Ostras eu usava uma SG 1971 e agora estou usando de novo. Foi um período de paixão pela Strato, eu sempre alterno entre Gibson e Strato, esporadicamente. O meu set para show neste instante é uma Gibson SG 71 (Kalamazoo) e uma Strato Japan V series 1996. Só uso uma, a outra é backup, só às vezes pego as duas, a diferença é que em Rio das Ostras a Strato foi a número 1 e a SG o backup, agora inverti de novo. Em estúdio muda um pouco, eu uso a minha Lespaul 68, uma Shecter Telecaster que ganhei da Guitar Player Americana (muito boa, e para mim é especialmente boa para estúdio), uma Strato 1958 e mais uma ou outra coisa que não me lembro agora (risos). UM - Qual os covers que nunca podem faltar nos shows? NM – Ultimamente, Season of the witch, de Donovan Leitch. Mas o público cobra muito Hey Joe.
UM - Você já abriu muitos shows e tocou com muito dinossauro do blues. Qual(is) o(s) momento(s) mais macante(s)? NM - Acho que fazer com Double Trouble no Credicard Hall lotado pode ter sido um deles, embora eu estivesse nervoso (e cansado de final de tur) naquela noite . O Festival de Montreal em 2001 foi um grande momento, tudo estava perfeito. Me apresentaria lá novamente, mas o de 2001 foi especial. Mas é interessante notar que alguns shows que são altamente especiais do ponto de vista artístico não acontecem em salas grandes ou com a presença de participações estelares. Fiz shows em teatros pequenos que foram muito especiais, marcantes do ponto de vista do astral e da parte artística. UM - Hoje o Brasil tem alguns bluesmen muito respeitados lá fora. Há tempos eram dois ou três, né...? NM - Lamento desapontar você, mas o Brasil não é muito conhecido pelo blues lá fora. O pessoal ligado ao blues (público e contratantes) espera bluesmen dos EUA ou, no máximo da Inglaterra. Para você ter uma idéia, o único bluesmen não americano que é considerado nos EUA é o Clapton. Nem o Gary Moore, com mídia maciça (e mídia inglesa, que é poderosa) conseguiu uma carreira nos EUA . O que os gringos respeitam é a possibilidade de tocar no Brasil, especialmente agora, que o Brasil está com mídia lá fora, economia (supostamente) deslanchando, etc. Todos querem vir para cá tocar. Esse é o intercâmbio que eles esperam e respeitam.