Entrevista Country Joe McDonald
Ele foi uma verdadeira pedra no sapato do establishment norte-americano. Entre um dedilhado no violão e uma canção de protesto, gritava contra os valores de uma sociedade que entrava em convergência: de um lado os comandantes da economia e da política da superpotência (frutos da “geração silenciosa” dos anos 50) e do outro a contracultura sessentista. Com a banda Country Joe & the Fish, participou, ao lado de grupos como Grateful Dead, Canned Heat, Lovin’ Spoonful e outros, do movimento psicodélico que coloriu e “desencaretou” os EUA. Em uma entrevista exclusiva, Mr. McDonald falou sobre os LSD, seu caso com Janis Joplin, Woodstock, política e muito mais. Ugo Medeiros – Você fez parte de uma das gerações mais importantes do rock. Junto com bandas, como Grateful Dead, Moby Grape, The Charlatans, Jefferson Airplane, Big Brother and the Holding Company e tantas outras, vocês misturaram rock, folk e LSD. Como foi participar desse movimento? Qual foi a importância do LSD? Country Joe - Nem todo mundo consumia LSD. Nem todos os artistas e nem todo o público. Mas as drogas ajudaram a criar aquela atmosfera que foi tão especial naquela época. Em todas as eras musicais é comum ter alguma substância que alterasse a mente, aquela foi a primeira era do LSD. UM – A contracultura apareceu com muita força na segunda metade dos anos 60, mas acabou perdendo força. O que levou a esse enfraquecimento? Ainda há aquela contracultura (se é que ainda existe) ou há algo diferente? CJ - Contracultura apenas significa não estar inserido na cena cultural do mainstream. Foi o primeiro grande grupo a criar um estilo de vida diferente. A coisa toda foi tão grande que alguns valores foram incorporados pelo mainstream. Existem, atualmente, muitas contraculturas e estão bem; e muitas delas são globais. UM – Você participou de dois dos mais importantes festivais da cultura pop do século XX, Monterrey e Woodstock. Você poderia falar um pouco de cada? Aliás, qual foi o seu favorito? CJ - Ambos foram muito especiais, pois eles deram um espaço para os membros de uma nova geração se juntarem e se sentirem seguros. Infelizmente, não era tão seguro para essas pessoas da “nova cultura”. Eu gosto dos dois, mas Woodstock, sem dúvida, foi a maior aventura e uma enorme mudança no cenário do que estava em moda no mundo. UM - Atualmente os EUA vivem uma situação social bem conturbada. Parece que não há tantos movimentos de contestação como antes. A que se deve isso? CJ - Eu não acho que aquele tipo de protesto dos anos 60 seja eficaz nos dias de hoje, provavelmente porque o status quo já saiba se prevenir contra essas tentativas da população ganhar mais poder. Ainda há formas interessantes e diferentes que propõem mudanças e isso é uma parte aceitável de um novo mundo de nações democráticas em todo o mundo. UM – Você poderia falar um pouco do seu romance com a Janis Joplin? CJ - Nós éramos bons amigos e nos curtíamos. Ambos éramos líderes e vocalistas de nossas bandas, éramos muito parecidos em vários aspectos: querendo liderar e fazer nossos shows (e aproveitar!). Nós estávamos limpos numa época que era muito inocente. UM – Você foi muito influenciado pela música negra, principalmente pelo jazz e R&B. Você poderia falar um pouco sobre isso? CJ - Quando eu era criança, no Sul da Califórnia, me identificava demais com o pathos (paixão/sofrimento) na música negra. Era cheia de emoção e muito expressiva. Eu também me sentia diferente e ameaçado pelo status quo. Como muitos negros eu encontrei conforto no R&B e no blues. UM – Você se considera um músico politizado ou um ser político que usou a música para melhor transmitir suas ideias? CJ - Eu sempre fiz música para mim mesmo. Eu me desencantei cedo com a política e nunca estive inserido na música de mensagem da nova ou velha esquerda, embora eu tenha me identificado com compositores e escritores politizados como Joe Hill e Bertold Brecht. Eu aprendi muito cedo que poderia dizer coisas em músicas que eu não poderia dizer em discursos porque poderia aí então ser machucado. Eu alcançaria um grande grupo de pessoas, mas devemos ter cuidado. Felizmente, mudanças vêm de qualquer forma. UM – Country Joe era a forma que o americano se referia ao Stalin. Com o decorrer do tempo, você se desiludiu com o comunismo em geral ou você ainda acredita na ideologia? CJ - Eu não acho que o americano médio entenda o que seja comunismo. Quando eu era jovem, eu tentava ler alguns livros da prateleira da minha mãe, como Marx, Lenin e outros, mas nunca consegui entender. O que eu entendo é que em uma economia baseada no lucro precisa-se de trabalhador barato. Eu também entendo que qualquer sistema com líderes produzirá corrupção, então esse é um problema humano. Eu sou um socialista democrático. É muito fácil para a democracia trabalhar contra a maioria. Os homens são simplesmente estúpidos. UM – Você acha que se o Country Joe and the Fish não fosse tão contestador, poderia ter tido maior sucesso comercial? CJ - Não. Havia defeitos na estrutura da banda e na administração da gravadora. Se a banda tivesse ficado junto com a formação original teria feito muito sucesso, mas isso era impossível por causa das personalidades de cada. Todos queriam controlar a coisa toda, por isso acabou. Mas foi bom pra mim até certo ponto. UM – Você gravou um disco de tributo ao Woody Guthrie, Thinking Of Woody Guthrie. O que você poderia falar sobre esse gênio da música americana? CJ - Ele era um escritor fértil de canções e prosas. É muito difícil descrever um gênio. Devia ser muito difícil conviver com ele. É incrível que ele tenha feito tanta coisa quando ele tinha tão pouco, em um período econômico terrível, na Grande Depressão de 29.