O circo mais rock da história
Este ano completam 40 anos de um dos projetos mais simples e ao mesmo tempo audaciosos da historia do rock, o Rolling Stones Rock and Roll Circus. Reunidos em uma lona de circo, os anfitriões, Rolling Stones, receberam grandes bandas e músicos, como The Who e Eric Clapton. Além de shows memoráveis, ainda contou com apresentações circenses para entreter o público.
Originalmente idealizado por Mick Jagger, Pete Townshend e Ronnie Lane, o objetivo era realizar uma turnê que cruzaria os EUA levando o melhor do estilo musical em uma tenda. A idéia de viajar com o rock e a arte pelos quatro cantos da terra do Tio Sam não foi concretizada devido ao precário transporte férreo, porém durante dois dias os ingleses tiveram o privilégio de sediar o evento histórico.
O show marcaria a volta do Stones após quase dois anos reclusos, por conta de problemas com drogas, principalmente Brian Jones que estava nitidamente transtornado e destruído. O entrosamento estava longe do ideal e tanta preocupação e ansiedade colocaram Jagger no comando natural do espetáculo. Se a direção das câmeras era por conta de Michael Lindsay-Hogg, o papel de incentivador, mestre-de-cerimonias e psicólogo era do vocalista. Em meio a muita bebida e drogas, o líder passou toda a manhã ajudando o doente amigo, Brian, que se afundava em profunda depressão.
A primeira banda a ir ao picadeiro foi o Jethro Tull. Ian Anderson e cia. tocaram seu jazz-rock com influências no folk e blues, Song for Jeffrey. A flauta de Anderson era hipntozante, mas outro instrumento chamou a atenção: no único registro com o Jethro, Tony Iommi comandava a guitarra. A apresentação do grupo ao público inglês seria apenas uma prévia do excelente trabalho que desenvolveriam ao longo de tantos anos.
Dando prosseguimento ao espetáculo, o The Who apresentou a sua primeira operata rock, A quick one while he’s away. Com a força e entusiasmo de sempre, o quarteto londrino deu uma aula de rock, com direito aos tradicionais pulos de Townshend e a insanidade de Keith Moon.
“O show não pode parar”, assim, Taj Mahal, um bluesman americano que ganhava projeção, continou com a boa música. Acompanhado de uma boa banda, apresentou um blues com raízes no soul, Ain’t that a lot of love. Em sua autobiografia, Eric Clapton comentaria, anos mais tarde, que um dos motivos de ter aceito o convite de Jagger foi a oportunidade de conhecer Taj.
A fim de acalmar os ânimos e dar um colorido ao picadeiro, Marianne Faithfull, de forma singela, cantou um “blues de cabaré”, Something better. Há quem diga que sua participação foi assegurada pelo seu namorado, na época Mick Jagger. Verdade ou não, a cantora e musa não comprometeu a qualidade do espetáculo.
Após um número mais lento, o super grupo Dirty Mac comandaria a festa. Composto pelos maiores nomes do rock, tocaram um cover sensacional dos Beatles, Yer Blues. No vocal e guitarra-base John Lennon, na guitarra solo Eric Clapton, no baixo Keith Richards e na bateria Mitch Mitchell. Com a ausência dos Fab Four em shows e em vias de extinção, Lennon mostrava as suas raízes de blues e rock’n’roll, ao mesmo tempo em que Clapton esbanjava a técnica que o consagrou no Cream. O blues corria solto e a platéia dividia um sentimento de euforia, até que o violinista Ivry Gitlis e Yoko Ono subiram ao palco e entraram na jam. Se o violino de Gitlis dava uma sonoridade diferente, Yoko gritava notas completamente desafinadas, colocando em xeque a apresentação até então fantástica. Até hoje as pessoas não entendem a intervenção da mulher de Lennon (inclusive este que vos escreve).
Como dizem, o circo é o “maior espetáculo da Terra” e depois de tantas apresentações os Stones eram os únicos que poderiam encerrar os dois dias de shows. Aquele que seria a última apresentação da banda com a formação original, já que Jones seria demitido no começo de 69 e no mesmo ano morreria.
Jumping Jack flash, Parachute woman e No expectations foram as primeiras a serem executadas e serviram para aquecer os integrantes. Após, You can’t always get what you want, música que faria parte do fenomenal disco Let it Bleed lançado meses mais tarde, falaria em primeira mão que os valores da contracultura de São Francisco e da revolução cultural fracassaram. Infelizmente a pessoa não poderia ter tudo o que queria.
Sympathy for the devil talvez tenha sido a única atuação incendiária do mega grupo. Um Jagger possuído, um showman-nato, colocou todos os músicos para pular e dançar. Os solos de Richards foram honestos e a percussão ditava o rítmo. A única bola fora foi versão semi-playback de Salt of the earth, que contou com um duo de Mick e Keith. Mas como no final tudo é uma festa e os neurônios já estavam fritos com tanta droga, ninguém pareceu se importar. O circo pegou fogo com uma grande bagunça entre famosos e desconhecidos. O evento fora um sucesso.
Sucesso? A banda não quis lançar o vídeo, nem mesmo para a BBC, que faria um especial para a televisão. Os motivos, ao certo, ninguém nunca soube. Há quem diga que eles não ficaram satisfeitos com a fraca exibição. A verdade é que seu lançamento, mais de duas décadas depois, em 1996, foi um marco no mundo do rock.
Alguns críticos consideram este registro um equívoco, falam mal desde a apresentação dos Who até os Stones. Mas, porra!, deixemos de ser chatos, temos que entender o espírito e a proposta de Jagger e cia.: montar uma lona de circo, tomar “uma” cerveja, ficar doidão, colocar umas groopies gostosas como público e chamar alguns camaradas para tocar.
É comum escutar que os grandes grupos de rock, Stones, Who, Pink Floyd, entre outros, só tocam pelo dinheiro. Beleza, não há bonzinhos no showbusines, mas daí criticar essa iniciativa? Humildemente, não! Talvez esse tenha sido o último momento lúdico do rock, antes de resultar na tragédia de Altamont (guardando as devidas diferenças).
Sou fã do Rolling Stones Rock and Roll Circus e o considero uma pérola da música. Faço minhas as palavras que os próprios Stones profeririam anos mais tarde: “É apenas rock’n’roll mas eu gosto”.